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Cinema, literatura e música como resistência ao apagamento da cultura yiddish

Cinema, literatura e música como resistência ao apagamento da cultura yiddish

As professoras Sonia Kramer (Educação), Inés Miller (Letras) e Marcia Antabi (Comunicação) realizam o seminário que vai mostrar a riqueza e o legado da língua e da cultura yiddish, nos dias 13 e 14 de novembro, a partir das 13h, no Auditório Padre José de Anchieta. Há muito o que se descobrir sobre o universo que sobreviveu ao Holocausto. As três professoras foram entrevistadas pelo PUC Urgente.

O yiddish foi quase extinto depois que mais de 90% dos judeus falantes da língua foram assassinados durante o Holocausto. Por que esse interesse reaparece hoje e por que tantas pessoas que não têm origem judaica têm feito cursos de língua e cultura yiddish oferecido não só pela PUC-Rio, mas também por outras importantes universidades em vários países?
O yiddish nasceu no século X, na fusão do alemão, hebraico e línguas eslavas. Vista no início como dialeto, nos séculos XVIII e XIX, a literatura yiddish a tornou reconhecida como língua. Muitos jornais literários e livros circulavam no Leste Europeu até meados do século XX, quando, atingida pelo nazismo e pelo stalinismo, a língua quase foi extinta. Mas a resistência se fez presente. Desde os anos 1990, instituições de pesquisa e universidades em vários países têm forte impacto no acesso à literatura yiddish, à formação de tradutores e ao ensino da língua, como os cursos dados na PUC-Rio pelo IPEL. Trata-se de devolver, resgatar, dar a conhecer uma língua quase perdida.

Desde 2017, as pesquisas do Núcleo Viver com Yiddish – coordenado por vocês três, – vêm revelando talentos femininos na poesia e na literatura. De alguma maneira, essas mulheres ficaram à sombra de grandes escritores, como Scholem Aleichem e Isaac Bashevis Singer, que ganhou o Prêmio Nobel?
A pesquisa “Mulheres que escreviam em yiddish: memória, resistência e superação”, feita pelo Núcleo Viver com Yiddish com apoio do IEAHu, e coordenação da Sonia e da Alice Fucs, estudou escritas de mulheres no universo de uma produção tida como masculina. Romances, contos, poemas escritos em yiddish por mulheres, migraram, estudaram, criaram em poesia e prosa, mas foram silenciadas. Por serem mulheres, por serem escritoras, por escreverem em yiddish e nessa língua contarem histórias de opressão, constrição e proibições, poucas receberam reconhecimento ou tiveram textos publicados ou traduzidos em vida. Aqui reside o tesouro para a pesquisa, para o ensino e simplesmente para ler!

A língua yiddish contém elementos do alemão antigo, hebraico e idiomas eslavos. Qual tem sido a importância do yiddish para a cultura universal?
De fato, o yiddish é conhecido como língua amálgama, que foi se consolidando ao longo das perseguições sofridas pelos judeus. O yiddish foi circulando, sugando, agregando palavras de contextos e comunidades de línguas por onde os judeus passavam, se deslocavam, se fixavam. Porém, o yiddish nunca teve território, nacionalidade, pátria. Com a destruição de milhões de judeus provocada pelo Holocausto, o yiddish se torna uma língua completamente vulnerabilizada. Assim, ao redor do mundo, a língua e a cultura yiddish passam a ser entendidas como movimento de resistência do Holocausto, ou seja, da luta por permanecer como pessoas, como povo, como cultura.

Tal como a língua, o cinema yiddish também quase desapareceu na Polônia e na Europa Central. Eram produções com poucos recursos, em um ambiente de forte antissemitismo. De alguma forma, seus fragmentos sobreviveram. O que eles revelam para as gerações atuais?
Os filmes são um tesouro, um acervo precioso para a cultura yiddish. Praticamente desconhecidos no Brasil depois de 80 anos de sua realização, muitos filmes, – como seus atores, produtores, montadores e espectadores – desapareceram com o Holocausto. O resgate deste cinema significa uma viagem entre mundos, tempos, espaços e línguas, com o desejo de transmissão e resistência ao apagamento da cultura yiddish. A pesquisa da professora Marcia, a ser apresentada no seminário, identificou 40 obras faladas em yiddish, produzidas até 1948 na Polônia, URSS, Áustria e França. O cinema-passaporte permite uma imersão na cultura e na remontagem da história, inerente ao cenário político e social daquele momento.

A música tradicional yiddish está chamando atenção de uma nova geração de judeus e não judeus, como acontece com os grupos klezmer. Qual é a razão desse interesse?
A música klezmer, como a língua yiddish, expressa uma fusão cultural. Tocada em casamentos e festas judaicas, é feita para celebrar a vida, dançar. O revigoramento se deu nos anos 1970, quando a língua yiddish voltou a interessar jovens músicos judeus e não judeus, a partir da música klezmer na Alemanha e nos Estados Unidos. Esse movimento, ao lado da internet, provocou a difusão de canções yiddish – muitas compostas por poemas musicados, que falam do trabalho, do cuidado com as crianças, de amor, amizade, esperança, entre outros afetos, da vida nos guetos e nos campos, de festas e da constante alegria de viver. No seminário, essas vozes estarão presentes.