Entrevista

Espero fazer a minha parte e poder contribuir com esta história

Espero fazer a minha parte e poder contribuir com esta história

Pe. Anderson Antonio Pedroso S.J. (foto: acervo pessoal)

O paulistano Padre Anderson Antonio Pedroso, S.J., tricolor confesso do Morumbi, é o novo Vice-Reitor da PUC-Rio. A posse ocorreu on-line, por conta da pandemia, durante a reunião de Reitoria, na quinta-feira, dia 9 de julho. Doutor em História da Arte Contemporânea e Estética Filosófica, pela Faculté de Lettres de la Sorbonne Université, e mestre em Filosofia Estética (Philosophie de l’art), também pela Sorbonne, padre Pedroso morava em Paris desde 2014, mas em 2000 foi vigário da Paróquia Santo Ambrogio, em Roma, na Itália. O Vice-Reitor tem duas graduações: Teologia (Pontifícia Universidade Gregoriana – Roma, Itália) e Filosofia (Universidade do Sagrado Coração – Bauru, São Paulo), além de mestrado em Teologia Dogmática, pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, na Itália. Padre Anderson já foi Vigário paroquial da Paroquia São Luís Gonzaga, localizada na Avenida Paulista, em São Paulo. Nesta entrevista, ele descreve os sentimentos em relação a este momento de pandemia, revela esperança no futuro e defende que as universidades devem ser um espaço de diálogo com a sociedade para fomentar uma cultura de responsabilidade socioeconômica e ambiental. Quanto à PUC-Rio, ele credita o sucesso da instituição ao trabalho quotidiano de todos os funcionários: da portaria à Reitoria.

Quais as suas expectativas pessoais com esta nova missão, justamente quando o Brasil, em particular, enfrenta uma onda de descrédito com a ciência e a pesquisa científica e uma pouca valorização do conhecimento acadêmico especializado?

Padre Anderson: Na verdade, mais do que expectativas, o que sinto é um apelo à esperança. As expectativas não são ruins, mas podem ser perigosas. Quando vêm da parte de outros (o que os outros esperam que façamos ou sejamos), elas podem tornar-se um fardo. Mas quando nascem de um desejo profundo de se desenvolver como ser humano e de servir aos demais, tais expectativas nos motivam para atingir um objetivo determinado. Porém, a esperança vai ainda além, pois aponta para um horizonte de sentido, implica no uso da liberdade e nos inspira a avançar com certa tranquilidade, pois o próprio caminhar já é a meta. Mais ou menos como quando conduzimos um barco: é preciso associar pequenas decisões com a força das ondas, inclusive, aproveitando as correntes. Tudo o que acontecer neste percurso será vivido de forma gratuita, como aprendizado. Acho que este é meu sentimento pessoal neste momento.

Quanto a este momento, considerado de impasse para a pesquisa e o conhecimento acadêmico, vejo algo de paradoxal. Ameaçada por uma pandemia, a humanidade nunca esteve com os olhos tão voltados para a ciência. Todos desejam uma vacina, um tratamento, quase que à espera de um milagre. Ao mesmo tempo, a pesquisa e a produção de saber parecem não ter muito incentivo das políticas públicas e reconhecimento pela cultura de massa. Isso não é bom, pois, quando um país não prioriza a pesquisa e o saber acadêmico, acaba cometendo o erro de desperdiçar um recurso precioso: a inteligência e a criatividade de seu povo.

Neste sentido, tenho esperança que a PUC-Rio possa continuar sua sólida tradição de incentivo à pesquisa cientifica e à produção de conhecimento, ao mesmo tempo em que se destaca pelo cultivo de uma visão cientifica aberta aos valores humanos inspirados no cristianismo.

Ao analisar o cenário socioeconômico do Estado do Rio e todas as questões relativas à pandemia mundial, quais são os desafios para o cargo de Vice-Reitor de uma das mais bem posicionadas universidades brasileiras?

Padre Anderson: Do ponto de vista pessoal, são os mesmos desafios de todo o cidadão que está preocupado com esta situação. Em primeiro lugar, o desafio de procurar entender melhor o que está acontecendo e de continuar respeitando as medidas de distanciamento social. Em segundo lugar, o desafio de cultivar desde já um estilo de vida sóbrio, preparando-se para o chamado “novo normal” – que embora esteja delineado, não sabemos ainda exatamente como será.

Como a maioria das pessoas, também estou experimentando sentimentos paradoxais. Empatia pelos que choram a perda de familiares e indignação pela má gestão de recursos públicos relativos à saúde. A pandemia mostra as injustiças estruturais de maneira mais chocante e lança uma luz sobre a vulnerabilidade de todos os seres humanos – o que deveria nos unir definitivamente, para além das diferenças. De outro lado, a pandemia revelou a grande capacidade de solidariedade das pessoas.

Do ponto de vista institucional, acredito que as universidades têm uma função, que é fundamental, de ser um espaço de aprofundamento dos problemas coletivos e de diálogo com a sociedade para fomentar uma cultura de responsabilidade socioeconômica e ambiental.
Quanto ao fato de a PUC-Rio ser uma universidade bem posicionada no ranking brasileiro e latino-americano, acredito que isto é fruto de uma construção coletiva que se apoia, de um lado, em uma tradição humanista assimilada, e de outro, no trabalho quotidiano de todos os funcionários: da portaria à Reitoria, passando pelas salas de aula e os laboratórios. Enfim, todos participam deste resultado e reconhecimento nacional e internacional da instituição. Neste sentido, espero fazer a minha parte e poder contribuir com esta história.

Como é a sensação de deixar a vida universitária como discente para ser Vice-Reitor da PUC-Rio?

Padre Anderson: Na tradição da Companhia de Jesus, os jesuítas são formados para atender prontamente a solicitação de uma nova missão do superior Provincial, e se apresentar aos responsáveis das instituições onde são enviados em missão, no meu caso, o Reitor da PUC e sua equipe, com espírito de serviço e disponibilidade. Este processo traz muita liberdade interior ao jesuíta, pois nasce de uma relação de confiança. É o que sinto.
Meu percurso não é longo, mas já tive oportunidade de viver outras experiências de gestão e de ensino. Aos 20 anos, fui enviado para estudar em Roma, e, aos 25 anos, tive que assumir responsabilidades de gestão em âmbito eclesial. Isso durou sete anos, quando pedi para entrar na Companhia de Jesus e passei pela clássica formação espiritual e prática (noviciado e experiências diversas). Em seguida, enquanto trabalhava em São Paulo, veio o desafio de voltar a ser estudante. Então, fui enviado a Paris para cursar o doutorado. Mas, mesmo neste período de austero trabalho intelectual, não renunciei ao trabalho com as pessoas, especialmente nos meios universitários franceses. Isso me deu bastante alegria e me proporcionou conhecer e conviver com pessoas que tinham convicções bastante diferentes das minhas. Foi uma experiência de abertura humana e cultural extraordinária.

Do ponto de vista da gestão, a PUC-Rio significa algo maior entre tudo o que já vivi. Mas não me sinto sozinho. Segundo os estatutos, o Vice-Reitor da PUC-Rio tem tarefas precisas que são delegadas pelo Reitor, de quem me torno um colaborador direto. Como jesuíta mais jovem, entro para aprender e, aos poucos, contribuir. Tenho a sorte de, já de entrada, fazer parte de uma equipe experiente: os vice-reitores, os decanos e outros colaboradores ad hoc. Fui muito bem acolhido por todos e agradeço a simpatia e a generosidade. Na reunião de posse (on-line), ganhei de presente uma camisa do Fluminense e uma bandeira do Flamengo. Fiquei contente, pois, desde que nasci, sou tricolor do Morumbi, mas como recém-chegado ao Rio de Janeiro, todo paulistano sabe que é preciso respeitar o rubro-negro.