Entrevista

O cérebro é moldado e responde ao ambiente

O cérebro é moldado e responde ao ambiente

A professora Patricia Bado afirma que “existem outros fatores bem conhecidos que influenciam a saúde mental”. (Foto: Kathleen Chelles)

O 1º Simpósio de Neurociências e Humanidades vai promover discussões interdisciplinares articulando três áreas do conhecimento: Psicologia, Neurociência e Direito. O encontro, realizado entre os dias 12 e 14 de março, tem organização dos alunos Lis Kogan e Ana Salmistraro, de Neurociências, Luiza Mezavilla e Leonardo Ferreira, de Psicologia, e Eudes Filho, de Direito. O projeto foi contemplado por um edital do Instituto de Estudos Avançados em Humanidades (IEAHu) em 2023. O PUC Urgente conversou com a professora Patricia Bado, dos cursos de Neurociências e Psicologia, que supervisiona o simpósio, com apoio do professor Noel Struchiner, do departamento de Direito.

Qual é o impacto que as mídias sociais podem causar nos usuários de redes do ponto de vista das neurociências. As telas prejudicam a saúde mental?
Patricia Bado:
Talvez a relação mais concreta entre as mídias digitais e a neurociência seja a nossa preferência por recompensas imediatas, algo que os algoritmos das redes sabem explorar nos mantendo conectados o máximo de tempo. Isso é ruim no momento em que interfere com atividades físicas e qualidade de sono – fundamentais para a saúde física e mental. Mas, em termos do impacto do uso das mídias no cérebro em si, não existe muita coisa robusta. O maior estudo de neurodesenvolvimento já realizado encontrou efeitos nulos ou muito pequenos em alterações cerebrais relacionadas ao uso das mídias em regiões visuais e envolvidas no processamento de recompensas. Mas foram efeitos mistos na cognição e psicopatologia.

O impacto na saúde mental ainda é bastante discutido, não existindo um consenso na área – além da questão da atividade física e sono. Alguns estudos encontram um efeito negativo do uso das redes na saúde mental, outros não encontram efeito, e outros mostram que a exclusão digital pode ser um problema – por exemplo, durante a pandemia ou em contextos de educação. O maior problema desses estudos é que associações não são causalidade. Ou seja, não é porque você observa mais problemas de saúde mental em pessoas que utilizam mais as redes, que a causa dos problemas são as redes. Essas coisas podem estar co-ocorrendo. Somente estudos longitudinais, que avaliam as mesmas pessoas ao longo do tempo, são capazes de estabelecer uma direção entre essas coisas. E esses estudos geralmente não mostram relações de causalidade das mídias na saúde mental. Inclusive um estudo longitudinal realizado pelo nosso grupo com milhares de crianças e adolescentes brasileiros ao longo de 10 anos encontrou uma relação oposta, de que mais problemas prévios de saúde mental levavam a mais uso das mídias digitais. É aquele clássico exemplo de pegar o celular quando nos sentimos mais ansiosos.

A questão, na minha opinião, é que existem outros fatores bem conhecidos que influenciam a saúde mental: nível socioeconômico, escolaridade, violência, sexo biológico (meninas têm cerca do dobro de problemas de depressão e ansiedade do que meninos), entre outros. Eu pessoalmente acredito que deveríamos investir mais esforços em realizar intervenções a nível de saúde pública nesses fatores. Mas insistimos em desviar o debate para telas, redes, videogames, quando – no longo prazo – esses não são fatores com efeitos robustos na saúde mental a nível de população. O debate sobre os hábitos digitais e comportamentos saudáveis dentro das redes é importante e necessário, mas não deveria ser sobre a quantidade de uso e sim sobre os comportamentos e conteúdos dentro das mídias.

Quais são as novas técnicas e o que evoluiu nas neurociências?
Patricia Bado:
Nos últimos 20 anos acompanhamos um avanço imenso nas técnicas de mapeamento cerebral em humanos. Uma das principais mudanças nessa área foi a mudança de foco da localização funcional para uma compreensão dos circuitos neurais. Hoje na neurociência estudamos o fluxo de informação das redes mais do que as regiões isoladas, inclusive utilizando métodos computacionais que vieram de outras áreas do conhecimento. Várias outras técnicas como a união entre neuroimagem e genética populacional também são bastante promissoras e não eram possíveis até alguns anos atrás em que não havia os esforços de ciência aberta e de grandes bancos de dados. Acredito que vamos ter muitos frutos dos esforços de compartilhamento de dados nos próximos anos.

Qual é a relação entre a neurociência e o comportamento humano?
Patricia Bado:
Toda relação. O que é bem diferente de dizer que o cérebro determina o comportamento. Ele não determina o comportamento, ele é moldado pelo ambiente tanto quanto responde ao ambiente. É sempre uma via de mão-dupla. E é muito interessante estudar, por exemplo, padrões neurais na formação de hábitos comportamentais. Mas o cérebro é um dos níveis de explicação do comportamento, junto com os hormônios, ambiente, genética, história de vida e todo percurso evolutivo que a nossa espécie teve para que um comportamento possa existir. O que a neurociência oferece de respostas para o comportamento são explicações a nível do mecanismo, e não necessariamente das causas. As relações causais são sempre complexas e multifatoriais.