Entrevista

Pensamentos e ações para uma educação antirracista

Pensamentos e ações para uma educação antirracista

Professora Thula Pires (Foto: Fernanda Maia)

Neste mês da Consciência Negra, diversos setores da PUC-Rio promovem uma série de atividades e discussões para propiciar o debate sobre temas como racismo, pensamento africano e afro-diaspórico, branquitude e ações afirmativas, entre outros assuntos. A Coordenadora Geral do Núcleo Interdisciplinar de Reflexão e Memória Afrodescendente (NIREMA), professora Thula Pires, salienta a importância da interdisciplinaridade para produção de pensamentos e ações que possam propiciar um entendimento amplo da complexidade das questões do mundo contemporâneo. E, ressalta, é necessário haver diversos saberes que se articulem entre si para que a existência de uma educação antirracista e libertadora.

Diferentes setores da Universidade programaram atividades para discutir questões relativas à cultura afrodescendente. Este diálogo interdisciplinar é cada vez mais necessário para o fortalecimento da Consciência Negra?
Thula Pires:
Todo ano são realizadas atividades relacionadas ao pensamento africano e afro-brasileiro na PUC-Rio, não apenas no mês de novembro, quando marcamos as comemorações em torno da consciência negra, mas ao longo de todo o período letivo. O que se destaca neste ano é o crescente engajamento de vários departamentos nessas discussões. Nas atividades que ocorrem ao longo deste mês, e que constam da agenda que o NIREMA divulga, temos a participação dos departamentos de História, Direito, Ciências Sociais, Serviço Social, Comunicação, Letras, Psicologia e Geografia, assim como do Coletivo Nuvem Negra e do Coletivo 30 anos PUC-Rio de ex-alunas e alunos bolsistas. As discussões propostas mobilizam diversos temas, entre eles: Ações Afirmativas no Ensino Superior, Psicologia Social e Racismo, Justiça Restaurativa, Pensamento Africano e Afro-diaspórico, Branquitude, Poder, Democracia, Jornalismo esportivo e Racismo, Racismo Epistêmico e troca de saberes com filosofias políticas e religiosas de matrizes africanas. Além disso, haverá também a Afro PUC, uma feira de pequenas(os) empreendedores nos pilotis e um Baile Charme na Vila dos Diretórios. A interdisciplinaridade é fundamental para a produção e difusão de pensamentos e ações capazes de lidar com a complexidade do mundo que herdamos. Uma educação antirracista e libertadora precisa dos muitos saberes e da necessária articulação entre eles. Quando falamos em consciência negra, falamos da oportunidade de encararmos problemas históricos e estruturais, assumindo todos os riscos e implicações que decorrem desse movimento, como nos ensinou a professora desta Universidade Lélia Gonzalez.

No ano que vem, o Nirema completa 20 anos na PUC-Rio. Como o Núcleo contribui para o maior conhecimento da cultura afro-brasileira?
Thula:
O NIREMA, enquanto núcleo que busca congregar as discussões sobre pensamento africano e afro-diaspórico na PUC-Rio, se vincula a distintas iniciativas dos movimentos negros e de mulheres negras pela aplicação das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008 não apenas nas atividades de ensino e pesquisa, como também na extensão. Buscamos nas últimas décadas fomentar a circulação cada vez mais intensa de aportes epistêmico-metodológicos produzidos por pensadoras e pensadores africanos e afro-diaspóricos, de modo a oferecer uma formação comprometida com a proteção de todas as formas de ser estar no mundo e na natureza.

Vemos cenas de discriminação contra os negros no dia a dia do comércio, na busca de empregos e no convívio com brancos na sociedade. Um certo Brasil se recusa a conviver com a diversidade?
Thula:
A formação nacional brasileira se deu em profunda cumplicidade com o racismo patriarcal cis-heteronormativo. Não apenas durante a vigência da economia política do latifúndio, essencialmente escravista, mas por meio das reatualizações dos processos de hierarquização racial e sexual que foram sendo construídas. Vivemos em um país que não reconhece como plenamente humanos todas/os as/os suas/seus habitantes. Com a ampliação das discussões sobre o racismo na sociedade brasileira, crescem também as denúncias sobre distintas formas de manutenção das hierarquias de humanidade que nos organizam. Mais do que a convivência com a diversidade, o que está em jogo é a possibilidade concreta de construção da democracia e da realização da justiça social. Algo que só poderá acontecer se nos comprometermos todas/os, cada um/a do seu lugar com a refundação de pactos políticos que comportem a multiplicidade de saberes, crenças e formas de vida que nos compõem.

A intolerância religiosa em relação às religiões de matriz africana cresceu nos últimos anos. Como a universidade pode contribuir para um melhor convívio de diferentes religiões?
Thula:
A universidade tem um papel fundamental no enfrentamento ao racismo religioso. Esta contribuição pode ser em diversas frentes. Uma delas ancora-se na produção de diagnósticos, dados e denúncias que ampliem a percepção sobre as distintas formas de violência que são mobilizadas para inviabilizar a transmissão de saberes, memória e a continuidade das comunidades políticas de matrizes africanas. Outra frente possível se direciona ao reconhecimento dos diagnósticos e dos saberes produzidos pelas lideranças e integrantes das próprias comunidades de terreiro sobre o racismo religioso e sobre outros tantos temas centrais como, por exemplo, a relação de integralidade com a natureza que organiza a ética de vida difundida nos terreiros. Igualmente importante é a atuação da PUC-Rio na reprodução de um ambiente de trocas e convivência respeitosa entre religiosidades distintas e entre pessoas de distintas religiosidades.