Entrevista

Uma referência do feminismo negro brasileiro

Uma referência do feminismo negro brasileiro

Antonia Ceva e Denise Pini Fonseca

O feminismo negro será tema da exposição Lélia Gonzalez – O feminismo negro no palco da história. A trajetória de Lélia, que morreu no exercício do cargo de diretora do então Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio, em 1994, está ligada à luta pelos direitos da mulher negra no Brasil e também contra o racismo. A mostra vai ocorrer na quinta-feira, 19, entre 14h e 18h, no auditório AMEX, no IAG. A exposição e a digitalização do acervo de Lélia foram realizadas pela Rede de Desenvolvimento Humano (Redeh), com apoio da Fundação Banco do Brasil. A pesquisadora da Redeh e ex-aluna da PUC Antonia Ceva e a professora Denise Pini Fonseca, do Departamento de Serviço Social, falam sobre o legado que Lélia Gonzalez deixou para a cultura negra brasileira. Durante a exposição, haverá a mesa Teórica com as professoras Cláudia Pons (UNEB), Giovana Xavier (UFRJ), Helena Theodoro (UVA) e Vanessa Canto (UGB).

Como surgiu a ideia de realizar a exposição sobre Lélia Gonzalez?

Antonia Ceva: A Lélia foi professora da PUC durante quase 20 anos. Ela começou no

Departamento de Letras e Artes. Depois veio para o Departamento de Ciências Sociais, que era o então Departamento de Sociologia e Política. Quando faleceu, Lélia tinha acabado de ser empossada diretora desse departamento.

Denise Pini: Além disso, no início dos anos 2000, foi fundado o Núcleo Interdisciplinar de Reflexão e Memória Afrodescendente, Nirema, que articula unidades disciplinares da PUC para discutir temas que têm relação com as questões raciais brasileiras. Desde então, ele aborda temas como o racismo e as questões afirmativas, sobretudo, no Ensino Superior do país. O desejo do Nirema sempre foi construir e preservar bases documentais de figuras que são iconográficas do movimento de resistência social negra no Brasil. Há dois anos, nos aproximamos da coleção documental de Lélia Gonzalez para dar um tratamento acadêmico a esse material. Queremos que ele seja utilizado de maneira apropriada pela própria academia brasileira.

O que é o Projeto Memória e qual o objetivo dele?

Antonia: Esse projeto é de autoria da Fundação Banco do Brasil. Passaram por ele várias personalidades, como Paulo Freire, João Cândido e Carlos Drummond de Andrade. O principal objetivo é fazer um mapeamento de uma personalidade que tenha participado da construção sociocultural e política do nosso país. Nesta edição, nós resolvemos homenagear Lélia Gonzalez, que deverá encerrar as atividades desse Projeto Memória na Fundação Banco do Brasil. Mas digo nós, porque a Redeh, de onde sou pesquisadora, foi parceira desta edição. O acervo de Lélia foi doado por ela, ainda em vida, ao pai Jair de Ogum, que era o pai espiritual dela. Quando fizemos uma pesquisa nesse acervo, não tinha um nome, era uma espécie de depósito. Lá havia fotos, diplomas, jornais do movimento negro, documentos pessoais e cartões postais. O Projeto busca estruturar essa base documental, que é digitalizar e higienizar esse arquivo.

 Que tipo de material será mostrado na exposição?

Antonia: Além da exposição documental, vai ser apresentado um vídeo-documentário de 18 minutos, em que a professora Denise dá um depoimento, e um livro fotobiográfico, de autoria da filósofa Sueli Carneiro, que é contemporânea de Lélia e uma das pioneiras do feminismo negro no nosso país. Haverá também um site e um almanaque histórico escrito pelo professor Paulo Corrêa, da Universidade Estácio de Sá, direcionado principalmente aos professores, para ajudar o professor a ensinar quem foi Lélia Gonzalez.

Qual o legado deixado por Lélia Gonzalez?

Denise: É importante que se diga que Lélia foi e é uma das principais referências do que podemos chamar de feminismo negro brasileiro. Ela tem uma contribuição que necessita ser aprofundada pela academia brasileira. São três categorias principais: a mulher negra brasileira, a “pretoguês”, uma expressão verbal que é um suporte de uma pertença racial e social neste país, e a “amefricanidade”, que é pensar a pertença racial negra a partir da experiência da negritude no continente americano. É pensar o que é nascer, crescer e viver como um negro na experiência americana. Nesse sentido, a PUC também é pioneira porque faz, por exemplo, “mulher negra” uma categoria teórica conceitual. São quase 30 dissertações de mestrado e sete teses de doutorado.

Antonia: Não é um legado só para a PUC ou só para a academia. A militância também produz conhecimento há muitos anos. E Lélia transitava por todos esses espaços e também dialogava com todas as lideranças. O grande legado dela foi ter sido umas das primeiras a denunciar o sexismo e o racismo como formas de violência que subalternam sujeitos negros.