Inteligência artificial a serviço da sustentabilidade.
15 de setembro de 2025 as 06:30

Professor Raul Queiroz Feitosa: “A ideia é selecionar áreas com maior potencial de devastação”
Modelo criado pela PUC-Rio em cooperação com órgãos públicos
auxilia no combate ao desmatamento na Amazônia
Por Maria Eduarda Süssekind*
A inteligência artificial, já utilizada de forma prática em diversos segmentos da sociedade, vem mostrando um grande potencial para a preservação ambiental. Nesse cenário, surge o Deforestation Prediction System, modelo de Inteligência Artificial capaz de prever áreas da Amazônia sob risco de desmatamento com até quinze dias de antecedência. Desenvolvida pela PUC-Rio em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), a iniciativa otimiza os recursos de fiscalização do Ibama e representa um marco no uso da tecnologia em favor da sustentabilidade. Para conhecer o funcionamento do sistema, o PUC Urgente entrevistou o professor Raul Queiroz Feitosa, pesquisador da PUC-Rio e criador do modelo. Graduado e mestre em Engenharia Eletrônica pelo ITA e doutor em Ciência da Computação pela Universidade de Erlangen-Nürnberg, na Alemanha, ele destacou a importância de modelos de IA para a sociedade:
“As coisas acontecem em uma velocidade medonha. A IA é uma tecnologia extremamente disruptiva”.
*sob supervisão das editoras
O senhor pode nos explicar como funciona o modelo e qual foi a motivação para sua criação?
O Deforestation Prediction System é um modelo de Inteligência Artificial que consegue prever as áreas da Amazônia que estão em maior risco de desmatamento com até quinze dias de antecedência. O modelo foi desenvolvido pela PUC-Rio, em parceria com o INPE, o Ibama e o MMA. A pesquisa foi motivada por uma demanda, para otimizar o uso dos recursos do Ibama em suas intervenções. O modelo identifica as áreas onde há maior potencial de devastação. O Ibama não consegue visitar todos os lugares da Amazônia, então torna-se necessário selecionar esses locais, é a melhor maneira de preservar dinheiro público.
Como começou o projeto e como foi desenvolvido?
A ideia original do projeto não foi nossa. Começou lá no Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, o MMA. Um dos órgãos do MMA é o Ibama, que é responsável pela fiscalização do desmatamento na Amazônia. E existe também o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o INPE. O Ibama é vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, e o INPE, ao MCTI. Tenho uma relação de um par de décadas com pesquisadores do INPE. O Ibama tem um sistema de previsão de desmatamento que foi instalado em 2020, usando uma tecnologia que tinha sido proposta em 2004. O INPE, por sua vez, tem uma plataforma chamada TerraBrasilis, por onde algumas pessoas conseguem acessar essas previsões.
O INPE queria alguém que mexesse com inteligência artificial para desenvolver o projeto. Aí, o coordenador do Programa de Monitoramento da Amazônia e Demais Biomas (PAMZ+), Dr. Cláudio Almeida, recomendou a parceria com a PUC-Rio, especificamente comigo. Conheço o Cláudio há muito tempo, já trabalhamos juntos. Começaram as negociações, e o próprio Ministério do Meio Ambiente foi atrás de recursos, que vieram de uma ONG chamada CLUA (Climate and Land Use Alliance). Por fim, acabamos decidindo que a PUC-Rio seria a coordenadora oficial do projeto.
Qual a contribuição de cada órgão envolvido?
Nossa contribuição foi com questões de inteligência artificial. O INPE tem quase 40 anos de experiência no monitoramento dos biomas brasileiros, com uma base de dados impressionante. Eles desenvolveram e mantêm várias ferramentas que fornecem informação sobre o que já aconteceu e o que acontece atualmente — como o PRODE, o DETER, entre outros. A contribuição deles é fornecer dados e operacionalizar a solução que seria desenvolvida, para que seja acessível a todos.
Já o Ibama é como se fosse o primeiro cliente. É quem diz exatamente de que precisa, porque vai usar essas previsões para planejar as ações. E isso é importante porque a fiscalização é muito cara — por exemplo, pegar um helicóptero e ir até o meio da floresta é caríssimo, e o orçamento é limitado. Então, eles precisam escolher em quais áreas vão atuar. A ideia é selecionar aquelas que apresentam maior potencial de devastação.
Na prática, como funciona?
Da seguinte forma: o INPE e o Ibama utilizam o modelo que desenvolvemos para eles. Esse modelo não tem propriedade intelectual, é aberto e disponível para todos. Assim, é executado regularmente, e as previsões são colocadas por eles nessa plataforma.
A previsão mostra o que deve acontecer nos quinze dias seguintes. Isso é atualizado com frequência — eles podem atualizar todo dia, se quiserem, mas sempre com essa previsão para quinze dias depois. E você compara a nova previsão com a anterior. É assim que funciona. A gente passou todo o programa para eles, que instalaram na plataforma TerraBrasilis, na sala de situação e já está operacional.
O que nós fizemos no projeto foi selecionar alguns modelos de inteligência artificial, testamos para ver como se comportavam e, em parceria com o INPE e o Ibama, escolhemos os dados em que baseiam a previsão. Com base nesses dados, a gente alimenta o sistema com informações históricas, que mostram como determinadas condições evoluíram ao longo do tempo. Os mecanismos de inteligência artificial analisam esses dados, observam as mudanças e vão descobrindo relações. Na realidade, inteligência artificial é isso: você coloca um monte de dados, e ela busca as relações entre esses dados e o resultado desejado. Para isso, são necessários muitos dados.
O senhor acredita que modelos como esse, desenvolvidos por IA, são o futuro?
Sem dúvidas. Isso é um caminho sem volta. Pode ser que daqui poucos anos nosso modelo venha a ser substituído por outros. As coisas acontecem em uma velocidade medonha. A IA é uma tecnologia extremamente disruptiva.