Entrevistas

Reflexões sobre o cenário nacional

Depois de um longo período de dormência social, a cidadania brasileira, embora sofrendo e descontente com os descaminhos da política, dos partidos e de outras instituições da sociedade, parece ter acordado. As manifestações de rua evidenciam que os jovens, principalmente eles, não concordam em permanecer deitados em berço esplêndido, mas querem mostrar que os filhos do Brasil não fogem à luta, sobretudo quando a ética se distancia de um país que é gigante pela própria natureza. Estes acontecimentos, vistos por muitos como inesperados, e por outros como a externalização de algo que estava reprimido, devem ser assimilados e refletidos, sobretudo por aqueles que foram democraticamente eleitos para representar a voz do povo. Essa nova realidade deve nos levar também a refletir sobre algumas questões que nos parecem fundamentais no atual contexto da nossa vida social.

As instituições públicas não podem estar alheias às demandas fundamentais da sociedade, tomando muitas vezes atitudes e posições que não condizem com os novos desafios e interesses da população.

A falta de ética, sobretudo na política, não pode mais ser tolerada e camuflada nos bastidores internos do poder, sobretudo numa sociedade que busca a consolidação democrática, com o apoio dos novos meios de comunicação e das instâncias criadas para defender os interesses públicos.

Não adianta mais esconder a realidade social, política e econômica do país, deixando de informar à sociedade a realidade concreta dos fatos, as dificuldades, e as possíveis soluções. As máscaras podem durar algum tempo, mas, quando estas são rasgadas, a indignação e os protestos são mais intensos e solidários.

Uma nova maneira de fazer política aparece no clamor dos jovens na rua, o que nos leva a pensar e questionar as posturas e os interesses do modo de agir da política partidária brasileira. As bandeiras de alguns partidos políticos que apareceram nas manifestações foram desprezadas ou impedidas de serem expostas pela maioria dos jovens. Parece que há um desejo político que já não corresponde aos ideais da política partidária.

Valores éticos como a dignidade humana, solidariedade, justiça, paz, entre outros, apareceram explicitamente nos clamores de rua, mostrando o quanto ainda temos que caminhar para ocupar um lugar de destaque no cenário internacional, e de ser uma nação justa, inclusiva e sustentável.

Embora a racionalidade técnica exerça um fascínio entre os jovens, visto a importância dos meios eletrônicos para convocar as pessoas para rua, observa-se que os aspectos reivindicatórios presentes no coração e na mente das pessoas, estão mais relacionados com a racionalidade dos valores, onde a ética tem um lugar preponderante. O encontro destas duas racionalidades nas ruas mostra que a preocupação com alguns princípios éticos constitui a principal bandeira política das gerações que serão o futuro de nosso país.

A violência presenciada no vandalismo de alguns grupos radicais, durante as manifestações, é uma demonstração clara da existência de uma cultura de violência na sociedade brasileira, que embora reprovada pela maioria dos manifestantes, não deixa de ser preocupante, não correspondendo ao ethos de uma nação miscigenada e majoritariamente cristã, que sempre procurou a reconciliação, a acolhida e os meios pacíficos para solucionar os problemas.

A cultura da corrupção existente no Brasil chegou a um limite que já não é possível mais ser tolerado pela sociedade. Os clamores contra a corrupção foram sentidos de maneira clara e visível nas manifestações de rua, como um sinal de intolerância de uma sociedade que pede transparência e o uso honesto dos recursos públicos, sobretudo visando à melhoria da educação, saúde e transporte.

As manifestações de rua são prenúncio de algo que poderá ocorrer com certa frequência no país, caso não haja um esforço de mudança por parte dos poderes constituídos, um diálogo maior dos políticos com a sociedade e um controle maior sobre a economia.

A rapidez e a facilidade em convocar e mobilizar o povo para os protestos de rua devem levar a uma reflexão, por parte do estado brasileiro, sobre os mecanismos de defesa, de segurança e de proteção da população e do patrimônio público e privado.