A responsabilidade e os desafios das redes digitais
6 de novembro de 2023 as 06:30
Professora Tatiana Siciliano: “é fundamental que estejamos abertos para aprender, sobretudo com os mais jovens” (Foto: KATHLEEN CHELLES). Professora Caitlin Sampaio Mulholland: “As redes sociais, especialmente, dão uma falsa percepção de anonimato” (Foto: CAIO MATHEUS). Professora Luciana Pessoa: “Os jovens não agem sem querer... eles sabem exatamente o que estão fazendo” (Foto: KATHLEEN CHELLES)
A diretoras dos Departamentos de Comunicação Social, professora Tatiana Siciliano, de Direito, professora Caitlin Sampaio Mulholland, e de Psicologia, professora Luciana Pessoa, organizaram o Novembro Responsável. Serão discutidos temas como desinformação e fake news, cancelamento nas redes e sofrimento psicológico, Lei Geral de Proteção de Dados, difamação na internet e resolução de conflitos.
Os jovens têm consciência sobre a responsabilidade que cada um deve ter ao espalhar – mesmo sem querer – um boato, reproduzir uma fake news ou atacar a honra de uma pessoa nas mídias sociais?
Tatiana Siciliano: O filósofo, semioticista e escritor italiano Umberto Eco, teórico muito utilizado nos estudos da comunicação, advertiu em entrevistas à imprensa, um pouco antes de sua morte, em 2016, sobre os riscos do mundo digital. O principal era o de universalizar a circulação de informações equivocadas e inúteis, que por não serem filtradas, nem hierarquizadas, acabavam sendo tomadas como verdade por aqueles que não tiveram acesso ao conhecimento. Assim, não apenas os jovens, mas a sociedade como um todo acaba sendo vítima do efeito de acreditar e disseminar informações não confiáveis. Não podemos esquecer que as fake news foram potencializadas neste século como estratégia política para mobilizar pessoas para determinados objetivos. Essa estratégia consiste, principalmente, em desqualificar adversários, que se tornam inimigos. Ainda como parte dessa prática, seus idealizadores passaram a, sistematicamente, atacar o jornalismo profissional. Como lidamos com jovens, temos o dever de demonstrar na teoria e na prática o quanto a difusão da desinformação vai prejudicar a todos, até mesmo a quem a exerce.
Caitlin Sampaio Mulholland: Acho que muitas pessoas não têm essa consciência, sejam jovens, adultos e idosos. As redes sociais, especialmente, dão uma falsa percepção de anonimato e, com isso, as pessoas imaginam que possuem uma liberdade plena, ilimitada, para escreverem ou falarem o que quiserem. Essa liberdade, no entanto, vem acompanhada de uma responsabilidade sobre os conteúdos postados. Essa responsabilidade é de cada pessoa que compartilha discurso de ódio, por exemplo, mas também das plataformas que mantêm os posts no ar, mesmo reconhecendo que estão violando as suas próprias regras de uso.
Luciana Pessoa: Consciência os jovens têm, com toda certeza, o que eles podem não ter é o pleno conhecimento das consequências desses atos. E só um esclarecimento, estamos falando de jovens adultos e a expressão “mesmo sem querer” não se aplica aos jovens, até porque somos sujeitos intencionais. Os jovens não agem sem querer… eles sabem exatamente o que estão fazendo, talvez não conheçam ou não pensem nas possíveis consequências desses atos.
Como o curso de Comunicação atua para formar jornalistas mais conscientes em um mundo tão dominado pelas redes sociais?
Tatiana: Essa vem sendo a nossa maior preocupação na formação de futuros profissionais da informação. É preciso, antes de tudo, torná-los conscientes da responsabilidade de produzir conteúdo informativo e da necessidade de identificar as fontes confiáveis, filtrar e selecionar o que deve ser noticiado. Para isso, os professores procuram orientar os estudantes sobre os princípios fundamentais do jornalismo, com base em uma diferenciação clara entre o conteúdo jornalístico – que inclui informação, opinião e interpretação – e a deturpação e manipulação dos fatos tão presentes nas redes. Nesse sentido, é essencial conciliar as demandas das novas mídias com as técnicas tradicionais do jornalismo, com objetivo de formar profissionais qualificados e dotados de um indispensável espírito crítico.
A Lei Geral de Proteção de Dados está em vigor desde 2020. Quais são os maiores danos que uma atitude não responsável sobre a proteção de dados podem ocasionar na vida de uma pessoa?
Caitlin: As pessoas titulares de dados pessoais têm direitos resguardados pela LGPD, inclusive o de exclusão de seus dados de determinadas bases, por vários motivos. Mas temos também que considerar que muitas vezes o próprio titular de dados não tem o cuidado necessário com a tutela de seus próprios direitos. Contudo, no caso de uma violação dos direitos dos titulares – pensemos num vazamento de dados – a pessoa que é responsável pelo tratamento desses dados pode ser responsabilizada por eventuais danos ocasionados ao titular.
Como os alunos de Psicologia podem ajudar na redução dos danos promovidos pelas mídias sociais, pela dependência do smartphone e até no esclarecimento dos jovens que fazem autodiagnóstico de doenças mentais pela internet?
Luciana: Através da transmissão do conhecimento. Ao longo da formação desse aluno, esses aspectos são abordados e trabalhados, em maior ou menor grau… então, ele pode utilizar esse conhecimento, por exemplo, para esclarecer e alertar sobre os malefícios de um autodiagnóstico, enfatizar a necessidade do cuidado e vigor que é preciso para a realização de uma avaliação psicológica, também pode dialogar sobre a importância das psicoterapias. Enfim, a partir desses conhecimentos básicos em sua formação, ele já pode, através de atitudes bem simples, promover saúde, no sentido mais amplo do termo.
As plataformas transformaram a forma como as pessoas acessam informações, segundo o Instituto Reuters. Os nativos digitais agora têm 5 vezes mais chances de usar o TikTok para notícias em 2022 (15%) do que em 2020 (3%). Esse tipo de consumo está mudando a forma de aprender e trabalhar na área jornalística hoje?
Tatiana: O consumo de notícias por meio dessas plataformas traz para profissionais e educadores um imenso desafio: compreender as transformações que vêm acontecendo com uma velocidade impressionante. Como parte desse desafio, é fundamental que estejamos abertos para aprender, sobretudo com os mais jovens, o que torna esse tipo de conteúdo atraente e o que faz com que veículos tradicionais enfrentem uma época de rejeição. Educadores e jornalistas só podem enfrentar esses desafios com coragem, tanto para defender os princípios da profissão quanto para estarem abertos às novas linguagens, que não param de se transformar. Mas, também precisamos estar atentos para, em nome das práticas dos novos tempos, não nos descuidarmos do princípio ético que orienta a profissão e nem da responsabilidade de trazer ao público informações confiáveis. A informação é um direito de todos.
Há uma grande discussão em várias partes do mundo hoje sobre a disseminação de desinformação e da retórica do ódio pelas plataformas digitais. Em que medida isso se tornou um desafio para o Direito no mundo contemporâneo?
Caitlin: Existem vários projetos de lei que visam regular os discursos na internet. O mais promissor é o PL da liberdade, transparência e responsabilidade na Internet, denominado erroneamente de lei das fake News. Esse projeto ainda está em tramitação. Mas aparentemente sua aprovação é iminente e trará várias regras de conduta que deverão ser seguidas pelas plataformas tanto na moderação de conteúdo, quanto na responsabilização das plataformas.
O filósofo alemão de origem coreana Byung-Chul Han, afirma que “a ordem terrena está sendo substituída pela ordem digital, que descoisifica o mundo ao informatizá-lo”. Autorreferente e individualista, como a Geração Z se comporta diante das questões mais
urgentes da humanidade?
Luciana: A sensação que é pulsante é de imediatismo. Eu recebo algo, repasso/posto/divulgo imediatamente para depois pensar nas possíveis consequências. E muita das vezes, em função do impacto social gerado, eclode o arrependimento, mas aí já é tarde, já foi… é como se a minha vontade de fazer prevalecesse sobre as consequências que podem ser geradas em decorrência dos meus atos.