Brasil e África: a união de saberes
15 de maio de 2023 as 06:30
Aza Njeri e Alexandre dos Santos: professores da PUC querem desconstruir estereótipos / Foto: Caio Matheus
No mês que celebra o Dia Mundial da África, a PUC-Rio receberá, no dia 17 de maio, a visita do ex-ministro de Estado e membro do Parlamento de Gana, Kojo Yankah. Ele vai participar da conferência “Áfricas & Brasis: heranças e intercâmbios” no Auditório Padre José de Anchieta, às 10h. Yankah, que também foi editor do jornal Daily Graphic e fundador do African University College of Communications (AUCC), vai falar sobre o projeto Museu da Herança Pan-Africana e as possibilidades de intercâmbio entre o Brasil e o país africano. A palestra é organizada pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares sobre o Continente Africano e as Afro-diásporas (Lepecad), em parceria com o Departamento de Comunicação, Departamento de Letras e o Instituto de Relações Internacionais (IRI). Criado em 2021, o Lepecad surgiu com o objetivo de elevar as discussões sobre as diásporas africanas para além do campo disciplinar e desconstruir estereótipos em relação aos países africanos. Para os coordenadores do laboratório, os professores Aza Njeri e Alexandre dos Santos, este seminário com Kojo Yankah é uma excelente oportunidade de aprender com a cultura da África, prestigiar os conhecimentos sobre o continente e estabelecer parcerias de ensino para a Universidade.
A conferência de Kojo Yankah faz parte da programação comemorativa do Dia da África. O que deve significar para os brasileiros a celebração desta data?
Aza Njeri: O Dia da África é uma data internacional sancionada pela ONU em 1972 para a celebração, debate e reivindicação da autonomia dos povos africanos e afro-diaspóricos. A data é importante para nós não só porque somos oficialmente a maior diáspora africana do mundo, mas também pela importância das lutas pela igualdade e humanidade da população negra no mundo.
Alexandre dos Santos: Acho que o Dia da África também é uma proposta para que a gente reflita sobre o quanto de África há em nós e não nos damos conta. O quanto nós poderíamos aprender com as experiências produzidas no continente africano e não damos valor porque valorizamos as tecnologias e experiências importadas da Europa e dos Estados Unidos.
Na conferência, Yankah vai falar sobre o projeto do Museu da Herança Pan-Africana, do qual o Brasil faz parte do conselho curador. Como deve ser a contribuição brasileira para este projeto?
Alexandre: Como disse a professora Aza, o Brasil é o país com a maior população negra fora do continente africano. Nossa responsabilidade é ainda maior quando pensamos que a própria Unesco considera as diásporas africanas como a sexta região do continente. Então, nós, brasileiros, temos a obrigação de nos integrar nesse caminho de reaproximação com o continente africano.
Aza: Acredito que todos os movimentos de aproximação da nossa (afro)diáspora com o continente africano são válidos, independentemente da iniciativa ter começado aqui ou lá. Por isto, vejo com bons olhos o projeto do Museu da Herança Pan-Africana e creio que daí possam surgir iniciativas de diálogos e parcerias Brasil-África em geral e entre a PUC-Rio e instituições de ensino africanas, em específico.
Vocês consideram que existe um intercâmbio efetivo entre o Brasil e os países africanos?
Alexandre: Infelizmente não. Em termos educacionais, por exemplo, nossa aproximação com o continente ainda se dá por iniciativas pontuais. Precisamos de políticas de aproximação que não sejam meramente de governos, mas políticas de Estado.
Aza: A importância também está na diversidade das relações Brasil-África, que ainda reproduzem um viés assistencialista e, por vezes, imperialista, focando em questões monotemáticas e restringindo os debates à pauta étnico-racial, quando também há um interesse no pluriverso de áreas que o continente nos oferece, por exemplo, as produções acadêmicas em todas as áreas que profissionais e pesquisadores africanos fomentam.
O Lepecad, criado na PUC-Rio, em 2021, é uma iniciativa interdisciplinar. Que tipo de reflexão um laboratório como este deve desenvolver em um país com tantas questões relativas ao racismo estrutural e aos problemas de desigualdade social?
Aza: O Lepecad é uma iniciativa minha e do Alexandre, que tínhamos o interesse de pesquisar e estudar as relações do continente africano com suas diásporas para além das questões étnico-raciais. Como laboratório, nos interessam discussões acerca do que é produzido em todas as áreas do conhecimento, por isto o nosso caráter já nasce na inter/transdisciplinaridade. A partir deste entendimento, as professoras Carla Siqueira e Elaine Vidal, da Comunicação Social, assim como a professora Valéria Bastos, do Serviço Social, se integraram à iniciativa do Laboratório. Vale dizer que a nossa intenção é estender o convite para todas as áreas da PUC-Rio que tiverem interesse no diálogo África + Diásporas. Atualmente contamos com um grupo de estudos mensal que reúne cerca de 50 pessoas (entre alunos de graduação, pós e professores) a cada encontro.
Alexandre: Nossa responsabilidade, como Lepecad, é cruzar saberes que não estão estanques e “presos” dentro das caixinhas das disciplinas formais. É assim que entendemos que estigmas e estereótipos são desconstruídos, principalmente juntando pessoas de áreas diferentes e cores diferentes. Para nós, amadurecer pensamentos e atitudes antirracistas começa com esse tipo de integração e a não hierarquização dos saberes. Mudar o eixo do olhar, trazer perspectivas do sul global, africano e afro-diaspórico é também perceber o racismo na construção do conhecimento. Foi o que eu e a professora Aza fizemos quando propusemos uma disciplina interdepartamental para a graduação, em 2022.2, que cruzou as literaturas produzidas por autores do continente e das afro-diásporas com algumas questões das Relações Internacionais.