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Entre a ficção e a história

Entre a ficção e a história

Luiza Larangeira e Henrique Estrada acreditam que a ficção é uma forma de pensamento. (Foto: Matheus Santos)

O I Seminário Nacional “História e Ficção: as formas do (des)encontro” será realizado nos dias 21 e 22 de março, com atividades tanto na PUC-Rio quanto no IFICS/UFRJ. A organização é do Laboratório de Estudos sobre Ficção e História, coordenado pelos professores Henrique Estrada Rodrigues, do Departamento de História da PUC-Rio, e Luiza Larangeira, do Instituto de História da UFRJ). O PUC Urgente conversou com os dois para saber mais sobre o encontro. Para ver a programação completa do seminário, clique aqui.

Como nasceu a ideia de cooperação entre as Teorias Literária e da História no LEFH?
Henrique Estrada:
É uma peculiaridade do campo da Teoria da História, em diferentes programas de pós-graduação do Rio de Janeiro, ter muitos pesquisadores interessados em investigar as diferentes configurações de um saber sobre a história permeado pelo imaginário ficcional. Essa característica tem produzido muitos trabalhos em parceria (em eventos, bancas, coorientações) e também frequentes aproximações com colegas das Letras e, em menor medida, da Filosofia. Eu e a Luiza Larangeira, que trabalha no Instituto de História da UFRJ, fundamos o LEFH para formalizar essa dinâmica já antiga de colaborações, além de fomentar novas parcerias e atividades conjuntas. Ano passado, demos início às atividades com um ciclo de palestras, que terá continuidade este ano. Já o Seminário é nosso primeiro evento de porte. Além de trazermos pesquisadores da Bahia e do Rio Grande do Sul, ele será realizado em colaboração com o Núcleo de Pesquisa Historicidade/Ficção (HiFi), sediado no Departamento de Letras da UFMG.

Que formas de encontro e desencontro, como diz o título, estarão no Seminário História e Ficção, realizado esta semana?
Luiza Larangeira:
As relações entre a História e a Ficção nem sempre foram pacíficas, embora o Seminário privilegie a relação e as especificidades dos discursos histórico e ficcional como um problema moderno e contemporâneo. Esse problema se coloca, pelo menos, desde a separação entre história e ficção, com a definição de um estatuto científico da história e a procura de um estatuto próprio para o ficcional, nos séculos XVIII e XIX. À luz disso, nosso interesse com o Seminário é investigar as diferentes configurações históricas do problema. Interessa-nos perguntar sobre as relações entre os discursos históricos e ficcionais, seus fundamentos específicos, suas interseções e diferenciações, e como essas relações se modificam historicamente. Por outro lado, ao abrirmos uma chamada para mesas de pós-graduandos e jovens mestres e doutores sem vínculo institucional com instituições de ensino superior, buscamos ampliar o escopo dos debates à luz de pesquisas em andamento ou recém-finalizadas, que possam nos surpreender e ampliar o escopo de nossas questões, temas e recortes teóricos.

Nas narrativas contemporâneas, a linha entre ficção e história parece cada vez mais tênue. Quais os limites da ficcionalidade para a historiografia?
Luiza Larangeira:
Desde as décadas de 1970 e 1980, a Teoria da História e a Teoria da Literatura – com autores como Hayden White, Paul Ricoeur, Catherine Gallagher, Linda Hutcheon, ou mesmo com a própria literatura modernista e pós-modernista – têm problematizado esses limites e focalizado o que esses gêneros teriam em comum: são construtos linguísticos convencionalizados, intertextuais e que mobilizam dispositivos retóricos em suas representações da realidade. Nas últimas décadas, com a incorporação dos debates sobre memória e das perspectivas anticoloniais e decoloniais, e com a produção de obras literárias marcadas pelo hibridismo formal e pela interseção entre o histórico e o ficcional, o debate sobre os limites entre história e ficção ganhou novo fôlego entre teóricos da história e da literatura. Nossa ideia não é a de tomar qualquer partido a priori, defensivo ou iconoclasta, sobre os limites, mas colocar em confronto e discussão diferentes modulações do problema.

Se o passado não é domínio exclusivo do historiador, como as obras literárias podem constituir uma possibilidade de conhecimento histórico?
Henrique Estrada:
Uma obra ficcional (para dar mais precisão ao termo “literário”) pode e tem sido usada como fonte para muitas pesquisas historiográficas, mas dizer “como” isso ocorre implicaria levantar uma infinidade de possibilidades teóricas e metodológicas difíceis de se resumir aqui. De todo modo, há algo que, certamente, anima minha parceria com a Luiza e as colaborações ou parcerias em torno do LEFH: reconhecer a ficção como uma forma de pensamento que sempre traz algo de concreto e histórico, embora reelaborados numa lógica discursiva própria, que inventa palavras, sintaxes, línguas e imagens, e assim fazendo, desloca lugares comuns, incomoda o familiar e faz pensar no que ainda não foi pensado. Por acaso, ontem à noite, lia a poeta mineira Henriqueta Lisboa, que dizia ser o papel da poesia tumultuar as palavras, “umas prontas para o jogo / outras intactas à sorte /(…)/ conforme o sangue que as gera / o incentivo que as abrasa / conforme a língua que as solta / ou que as segura na raça”. Daí um grupo de estudos sobre a Ficção e a História só pode ser, conforme a língua que o gera e o abrasa, um Laboratório.