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Ibero-América e a questão da temporalidade

Por: Carolina Bottino

Ibero-América e a questão da temporalidade

Para discutir temas como linguagem política, experiências de tempo, memória, identidade e cultura, o Departamento de História vai realizar o seminário “A história conceitual e o problema da temporalidade. Iberoamérica (sécs. XVIII-XXI)”, nos dias 23, 24 e 25 de outubro, no Auditório Padre Anchieta. Com a presença de pesquisadores de universidades da América Latina e Europa, as mesas buscarão refletir sobre diversos aspectos relativos às temporalidades vividas pelos povos ibero-americanos do século XVIII ao XXI. Integrante do comitê de organização e palestrante do seminário, a professora Maria Elisa Noronha de Sá, do Departamento de História, afirma que o objetivo dos debates é refletir sobre como as linguagens políticas e conceitos como povo, nação, revolução, foram ressignificados ao longo dos tempos.

De que maneira a temporalidade da história ibero-americana será abordada durante as mesas?
Maria Elisa Noronha:
A historiografia tem muitas maneiras de refletir sobre esses temas, e a nossa proposta é analisar como a história conceitual aborda questões relativas ao tempo na chamada Modernidade no Atlântico ibérico. O grupo de pesquisadores que vai participar do seminário possui estudos voltados ao modo de vida da população ibero-americana – representada pelos países da América Latina, além de Portugal e Espanha – desde os séculos XVIII e XIX até a atualidade. No dia 24, às 18h, o autor Javier Fernández Sebastián participará do lançamento da versão traduzida de seu livro “História Conceitual no Atlântico Ibérico – Linguagens, Tempos e Revoluções”, uma parceria da Editora PUC-Rio com a Hucitec Editora e a Fondo de Cultura Económica.

O seminário reúne pesquisadores brasileiros e estrangeiros. Existem pontos de contato na história desses povos a princípio tão diferentes?
Maria Elisa:
Sem dúvida, pois eles guardam muitas semelhanças vindas desde o período colonial até os dias de hoje. Não apenas nas relações e costumes, mas também pelo passado de exploração e escravidão, além das relações com os povos indígenas. Ao mesmo tempo que temos muitas semelhanças, há diferenças também, afinal, cada um desses contatos culturais produziu nações diferentes, com culturas diversas. Durante as mesas, queremos discutir questões que remetem às singularidades de cada país, mas sem perder de vista o pertencimento a uma identidade atlântico ibérica. Essas populações partilharam, por exemplo, um vocabulário político comum, desde as independências até os dias atuais.

Entre os palestrantes, a professora Luísa Rauter Pereira discute a importância do ativismo popular no caso da Independência do Brasil. Por que essa parte da história não é conhecida ou evitada nas escolas?
Maria Elisa:
É importante pontuar que essa realidade está mudando, mas também reconhecer que, por outro lado, há razões históricas para isso. A maneira como a nossa historiografia foi escrita, tomando como base o processo de Independência, fez com que o período parecesse pacífico, sendo que essas conquistas foram resultado de muita resistência e luta popular. Acredito que, com cada vez mais pesquisas sendo publicadas sobre o assunto, essas discussões sobre ativismo estão sendo trazidas para as salas de aula. Atualmente, a historiografia procura abordar o papel ativo da população na construção da nação, com estudos sobre o ativismo indígena, por exemplo.

De que maneira os conceitos de raça e de mestiçagem eram discutidos nas nações ibero-americanas na metade do século XIX?
Maria Elisa:
Os conceitos de raça e mestiçagem ganharam uma centralidade muito grande nesse período, que foi fortemente marcado pelo cientificismo oitocentista, darwinismo social e teorias evolucionistas. Essas teses eram utilizadas com a tentativa de explicar cientificamente a existência de uma hierarquia entre as raças em que os cenários desfavoráveis em termos de desenvolvimento das nações poderiam ser associados à mestiçagem. Ainda que houvesse autores da época que questionavam essas teorias, o discurso que se firmou na sociedade do século XIX foi o de que a existência da mistura das raças era um problema, e a tentativa de relacionar uma explicação científica a isso tornou o discurso forte e poderoso, pois seria uma comprovação desse diagnóstico negativo.

Segundo a professora Miriam Hernández Reyna, a memória indígena no México passou por transformações ao longo do tempo. Estamos vivendo algum processo semelhante em relação à memória dos indígenas brasileiros?
Maria Elisa:
Sem dúvida, e não apenas no Brasil, mas na América Latina como um todo. Acredito que, atualmente, todo o bloco latino-americano reconhece a centralidade dessas populações, mesmo que de maneiras diferentes. A Bolívia, por exemplo, é um Estado plurinacional, que reconhece a existência das nações indígenas no seu interior, o que ainda é conflituoso, com resistência em reconhecer a importância dessas populações, tanto no passado quanto no presente. No Brasil, há muitos bons trabalhos sendo desenvolvidos sobre a história indígena, que aborda desde os tempos pré-coloniais, a resistência ao processo de colonização, até as lutas atuais, mas ainda há muito a se conquistar nesse campo. Durante o seminário, haverá discussões sobre esses temas, como raça, mestiçagem, indígenas, que são muito importantes para a construção de uma identidade nacional e cultural dessas nações.