Entrevistas

Imagens da prisão

Imagens da prisão

Patricia Lattavo, Patrícia Machado, Joana Passi, Elizama Almeida e Lorrana Melo, pesquisadoras envolvidas no projeto (Foto: Matheus Santos)

O Museu Solar Grandjean de Montigny vai receber a exposição “32 dias: imagens da prisão”, a partir desta terça-feira, 17 de setembro, às 16h. As imagens, do acervo pessoal do ex-preso político Paulo Jabur, retratam o episódio da greve de fome pela luta da anistia do qual participou, no presídio Frei Caneca, em 1979. O material foi reunido pelo grupo de pesquisa “Contra Arquivo”, do departamento de Comunicação da PUC-Rio, e organizado em parceria com o grupo de pesquisa independente “Lacuna: práticas interdisciplinares de arquivo”. A expografia é do grupo de estudos Hrzt, do departamento de Arquitetura da PUC-Rio. O PUC Urgente conversou sobre a exposição com a professora do departamento de Comunicação Patrícia Machado, coordenadora do projeto “Práticas do Contra-Arquivo: mapeamento e análise de imagens da ditadura militar no Brasil”.

Como surgiu a ideia e quais os objetivos da exposição?
Patrícia Machado:
A exposição foi pensada a partir da pesquisa sobre as imagens produzidas na prisão durante a greve de fome do Presídio Frei Caneca em 1979, período de redemocratização política. Nas pesquisas do grupo Práticas do Contra-Arquivo, investigamos os filmes feitos e as fotografias tiradas na prisão, todos guardados no acervo particular do ex-preso político Paulo Jabur. O material é riquíssimo e, em grande parte, inédito, o que nos fez pensar na importância de realizar uma exposição. Convidamos o Lacuna, grupo de pesquisa independente e interdisciplinar, que tem pensado em maneiras diferentes de dispor arquivos, e concorremos ao Edital de Apoio a Grupos de Pesquisa Interdisciplinares – 2023 do IEAHu. Reunimos ainda pesquisadores e professores do Departamento de História e outros colaboradores em um trabalho coletivo para tornar essa pesquisa e essas imagens visíveis.

Foi difícil ter acesso e reunir o material para a exposição? Quais foram as dificuldades encontradas pela equipe?
Patrícia:
No período de redemocratização, e com as conquistas nas negociações realizadas pelos presos políticos do Presídio Frei Caneca, foi possível levar câmeras para a prisão e filmar o cotidiano da vida ali, as visitas dos familiares, os momentos de trabalho. Com essas câmeras, foi registrada a greve de fome que durou 32 dias. Os presos políticos queriam ser contemplados pela Lei da Anistia. As fotografias e os filmes realizados na prisão ficaram guardados todos esses anos com Paulo Jabur, que produziu as imagens. Em nossa pesquisa, entrevistamos Jabur e buscamos a história das imagens. E é essa história que queremos contar na exposição.

Quais são as imagens que você considera mais impactantes ou significativas daquela época?
Patrícia:
Todas as imagens são significativas: as visitas de amigos e familiares, o apoio de políticos e artistas, a própria greve de fome, tudo isso foi registrado. Há uma história curiosa: no fim da greve, ao servirem a primeira sopa para os presos políticos, Paulo Jabur decide fotografar, primeiro, a cena dos companheiros fazendo a refeição e, só depois, junta-se a eles. A importância de registrar em imagens aquele momento ficou clara para ele ali, mesmo em situação tão difícil.

Como a exposição pode contribuir atualmente para o ambiente acadêmico, a formação crítica dos estudantes e para a sociedade, em geral?
Patrícia:
A exposição ajuda a contar de que maneira as imagens contribuem para a elaboração de memórias e a visibilização de histórias de lutas. Buscamos também documentos da polícia política, reportagens de jornais e outros registros que colaboram para a compreensão de um momento em que a luta por liberdade, depois de décadas de ditadura, foi coletiva e fundamental. Essas imagens nos mostram que a democracia está sempre em disputa, ainda no nosso presente. Como lutar e com que armas? Como as imagens contribuem para isso? É isso que queremos propor como reflexão nas pesquisas acadêmicas, mas também na luta pelos direitos humanos, no presente.

Você pode nos contar um pouco mais sobre o projeto Práticas do Contra Arquivo? Há novas exposições programadas?
Patrícia:
O projeto foi contemplado no edital Jovem Cientista da FAPERJ e reúne estudantes de graduação e da pós-graduação em Comunicação da PUC-Rio, além de colaboradores de outros departamentos, como História e Letras. A proposta é mapear e contar a história de imagens produzidas no período da ditadura militar no Brasil que não sejam as oficiais. Quais as histórias invisibilizadas, esquecidas e não contadas para um grande público – histórias que as imagens nos ajudam a tornar visíveis hoje? Além das imagens da prisão, trabalhamos com outros temas, como os filmes de cineastas mulheres que foram esquecidos e perdidos, produzidos nas emergências dos movimentos feministas, por exemplo. Os processos de pesquisa, nós compartilhamos no nosso instagram (@contraarquivo) e também estamos publicando as edições de entrevistas na nossa página do YouTube. Em breve, também teremos um site do projeto.

E a parceria com o Lacuna?
Patrícia:
Foi incrível trabalhar com as pesquisadoras do Lacuna. Elas tornaram a exposição possível, pensaram em toda a estrutura e os processos necessários para expor as fotografias e filmes. É um grupo de pesquisa que pensa justamente na importância dos arquivos, em como dispô-los e em como pensar a partir deles. Criei uma admiração profunda por essas pesquisadoras e artistas ao longo de todo o processo. Nossa parceria começou com uma ocupação no Solar no ano passado, com essas mesmas imagens. Agora, com o edital, pudemos trabalhar de modo mais consciente, organizado e pensando nas etapas do processo com mais calma e rigor. Esperamos que todos venham visitar para conhecer melhor a história das imagens da prisão e também do nosso país.

Visita Guiada
O Museu Solar Grandjean de Montigny vai oferecer a visita guiada à exposição “32 dias: imagens da prisão”. As imagens ficarão expostas no museu até 19 de outubro.