Entrevistas

Os desafios da democracia em debate

Os desafios da democracia em debate

Professor Marcelo Burgos, diretor do Departamento de Ciências Sociais, que realiza o seminário sobre democracia (Foto: Caio Matheus)

Em comemoração aos seus 70 anos, o Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio realiza o seminário “Os Desafios da Democracia Contemporânea”, com o objetivo de refletir sobre os obstáculos e as possibilidades de avanço democrático em tempos atuais. O evento destaca o compromisso do Departamento com a pesquisa científica de qualidade como ferramenta para enfrentar desafios contemporâneos e contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e plural. Nesse contexto, a nova edição do livro “Solidarismo” traz atualizações que dialogam diretamente com questões centrais das ciências sociais, reforçando a relevância da solidariedade e da ação coletiva frente a conjunturas sociais desafiadoras. O PUC Urgente conversou com o diretor do Departamento, professor Marcelo Burgos.

Qual o foco principal do Seminário “Os Desafios da Democracia Contemporânea” promovido pelo Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio em comemoração aos seus 70 anos?
Marcelo Burgos:
Para homenagear a história do Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio, optamos por fazer um seminário com um tema principal, que é o debate sobre a democracia, a partir de três recortes. O primeiro trata da relação intrínseca que se estabelece entre a história da afirmação das três áreas de conhecimento que constituem as Ciências Sociais (Antropologia, Ciência Política e Sociologia) e os temas e desafios inerentes à construção de um regime e de uma sociedade democrática no Brasil. O segundo recorte tem a ver com a compreensão de que a democracia é processo vivo, sobretudo em uma sociedade desigual, diversa e vibrante como a brasileira, que exige um permanente monitoramento. E um terceiro eixo diz respeito aos desafios globais da democracia, envolvendo, entre outros temas, as transformações digitais e seus impactos, e a questão climática e suas formas de injustiça ambiental. O Seminário é encerrado com a conferência do antropólogo estadunidense James Holston, diretor do Social Apps Lab, da Universidade da California, Berkeley. Holston é muito conhecido no Brasil por causa de seu livro, Cidadania Insurgente, que articula formas inovadoras de construção de cidadania e democracia no país a partir das periferias de nossas regiões metropolitanas.

Haverá uma homenagem ao fundador do Departamento de Ciências Sociais?
Marcelo Burgos:
Sim. Além desses três recortes do corpo central, o Seminário realiza uma justa homenagem ao fundador do Departamento de Ciências Sociais, o sociólogo Padre Jesuíta Fernando Bastos Ávila. Para essa homenagem, convidamos nosso Reitor, professor Pe. Anderson Antonio Pedroso, S.J.; o professor Domício Proença Filho, representando a Academia Brasileira de Letras, da qual Ávila foi membro; e Alberto Gallo, representando a Associação de Dirigentes Cristãos de Empresas, que teve em Ávila um de seus fundadores. A mesa será também uma oportunidade para compartilharmos a reflexão sobre o sociólogo Ávila, a ser realizada por minha colega Maria Alice Rezende de Carvalho. Cabe ressaltar ainda que, no primeiro dia do Seminário, será exibido um minidocumentário sobre a história dos 70 Anos do Departamento de Ciências Sociais.

De que maneira o Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio busca integrar pesquisa científica de qualidade ao enfrentamento dos desafios contemporâneos em sua missão institucional?
Marcelo Burgos:
Desde sua origem, o Departamento de CS da PUC-Rio foi concebido para ser um lugar de formação e de pesquisa. Nesse ponto, seu fundador tinha muita clareza de que a vida institucional de um Departamento de Ciências Sociais pressupõe necessariamente pesquisa empírica, ainda mais para uma sociedade como a nossa nos anos 1950. Na época, vivíamos em um acelerado processo de modernização e transformação, que, de certo modo, tornava-se irreconhecível para seus próprios contemporâneos. Além disso, ele também entendia que não se formam cientistas sociais sem o treinamento em pesquisa. Esse DNA, digamos assim, faz com que, já em sua primeira década de existência, o Departamento organize pesquisas coletivas, inclusive em outras áreas do país, sobretudo a respeito da dinâmica urbana do Rio de Janeiro.

E qual o foco atualmente?
Marcelo Burgos:
Hoje, o Departamento se organiza em torno de diversos núcleos de pesquisas nas três áreas de conhecimento das CS, os quais reúnem professores, pesquisadores e estudantes de graduação, mestrado e doutorado. Foi a partir desse acúmulo que, recentemente, realizamos uma reforma da graduação com a inserção de quatro ênfases, que dizem bem sobre as vocações do Departamento. A ênfase em “Estudos da Cidade” remete a uma tradicional linha de pesquisa do Departamento, presente, como disse, desde sua origem. Já a ênfase em “Políticas Públicas e Participação” tem sido objeto de pesquisas do Departamento pelo menos desde os anos 2000. E temos as ênfases “Estudos Culturais e Decoloniais” e “Pesquisa Social Digital”, que são duas frentes importantes de atualização de bibliografia e de pesquisa, além de inovação para o Departamento lidar com as questões relacionadas às transformações digitais que estamos vivendo. As ênfases deverão se afirmar como espaços de formação profissional e de produção de conhecimento, envolvendo graduação e pós-graduação.

Como o Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio enxerga o papel da ciência social na construção de uma sociedade mais justa e plural?
Marcelo Burgos:
Nosso trabalho é de pesquisa e formação, com forte compromisso extensionista. Temos um compromisso primordial com a produção de conhecimentos voltados para a qualificação e a democratização do debate público, articulando nossas ações por meio de redes sociotécnicas, envolvendo diferentes atores e sujeitos sociais. No que se refere à formação, trabalhamos para preparar cientistas sociais capacitados para oferecer uma contribuição relevante à sociedade, atuando de forma crítica e responsável em organizações e instituições públicas, privadas ou do 3º setor, vocacionadas à promoção de bens públicos, seja como pesquisador, professor, articulador ou gestor. Gostaria de destacar nosso papel na formação de professores de Sociologia para o Ensino Médio, cuja importância estratégica para o país precisa ser realçada. Por fim, é preciso sublinhar que nossa missão institucional é eticamente orientada, entendendo que o Departamento de CS é um braço importante do trabalho que a PUC-Rio como um todo realiza na formação de jovens de diferentes classes sociais para atuar de forma responsável e na produção de conhecimento sobre nossa realidade social.

Quais as principais atualizações da nova edição de “Solidarismo” e de que forma elas dialogam com as questões discutidas no campo das ciências sociais?
Marcelo Burgos:
A nova edição de Solidarismo é baseada na edição de 1965. É preciso lembrar que a versão original deste livro é de 1963, mas, com o golpe militar, Ávila sentiu a necessidade de tornar mais sistemático o seu argumento, incluindo textos em cada um de seus capítulos e redigindo um novo capítulo conclusivo. Esta edição de 2024 é comemorativa e foi realizada por meio de uma parceria da Editora PUC-Rio, do Departamento de Ciências Sociais e da Associação dos Dirigentes Cristãos de Empresas. Nela, há um texto de apresentação feito por Maria Alice Rezende de Carvalho, que oferece aos leitores uma breve contextualização sociológica do pensamento de Ávila, realçando a importância de sua obra, muito especialmente do Solidarismo. Acreditamos que os leitores descobrirão em Solidarismo uma atualidade até certo ponto surpreendente. O livro realiza uma análise crítica do liberalismo e do marxismo, alertando para o fato de que essas correntes não apresentavam caminhos promissores para o país. Ao final, apresenta um manifesto solidarista, voltado a uma reforma ético moral, orientada pela doutrina social cristã. O convite ao solidarismo se mostra especialmente bem-vindo quando levamos em conta os efeitos perversos do neoliberalismo, com a hegemonia do capital financeiro e sua extensão digital, fenômenos que, entregues a si, afrontam a vida em comum e os laços e vínculos comunitários. Há algo de perene e profundamente alinhado com a cultura popular brasileira na proposta de Ávila, e estamos certos de que os jovens leitores logo reconhecerão o vigor de sua contribuição.