Entrevista

Projeto de extensão, Horta Maria Angú fornece alimentos para creches de favela na Maré

Por: Maria Fernanda Firpo

Projeto de extensão, Horta Maria Angú fornece alimentos para creches de favela na Maré

Walmyr Júnior, mestrando e funcionário da Pastoral Universitária Anchieta, e Marina Mahfuz, fundadora e coordenadora de Projetos Sócio-ambientais na Norte de Inovação Social. (Fotos: acervo pessoal)

Criado em abril de 2021, o projeto de Horta Maria Angú visa fortalecer a produção de alimentos orgânicos da Favela Kelson’s, na Maré. Com a pandemia da Covid-19, muitos moradores de áreas periféricas perderam os empregos e, por isso, não possuíam mais condições para comprar e consumir alimentos saudáveis. A horta surgiu como projeto de extensão da PUC-Rio, criado por alunos, com a proposta de garantir segurança alimentar para os habitantes da comunidade, além de aproximar a produção e conhecimento dos alimentos orgânicos. O aluno de mestrado na PUC-Rio e funcionário da Pastoral Universitária Anchieta, Walmyr Júnior, e a fundadora e coordenadora de Projetos Sócio-ambientais na Norte de Inovação Social, Marina Mahfuz, contam mais detalhes sobre o projeto de extensão.

Desde quando a Horta Maria Angú existe?
Marina Mahfuz –
O projeto da Horta existe desde abril do ano passado, quando começou a ser articulado, e as pessoas começaram a ir para reunião. Mas a primeira plantação foi feita em dezembro.
Walmyr Júnior – O sonho de fazer a horta começou a se tornar realidade quando iniciamos o processo de captação de recursos pelo edital do IEAHu e, a partir disso, iniciamos a construção física dos canteiros. Nossa primeira atividade foi o Dia das Crianças, quando fizemos o plantio de algumas espécies da Mata Atlântica que são frutíferas com as crianças da comunidade. Nós fizemos uma grande e caça ao tesouro, e nele nós organizamos o plantio, e nessa caça ao tesouro organizamos o início do plantio com a crianças da comunidade. Logo depois, iniciamos o processo de construção a partir dos mutirões dos canteiros que compõem a horta hoje.

Qual é o principal objetivo desse projeto de extensão?
Marina –
Temos alguns objetivos, mas tudo gira em torno da insegurança alimentar. Vivemos um contexto de fome extrema no nosso país e entendemos os locais de hortas urbanas comunitárias como espaço de apropriação de autonomia. Há uma garantia de segurança alimentar, mas entendemos que é uma horta pequena, então não vai suprir a demanda. Ao mesmo tempo, começa a trazer a reflexão de usarmos jardins e lages como espaço de cultivo, além de ser possível falar sobre a apropriação do território e sobre outros temas de qualidade de vida bem estar.
Walmyr – Outro objetivo da horta é garantir uma relação do consumidor com aquilo que se come. Pensar, constituir e organizar uma relação do indivíduo, principalmente da favela com alimento que ele consome, além de pensar nos problemas que o alimento sintético industrializado provoca na vida da população. A ideia é fugirmos dessa lógica de consumo de embutidos e pensar numa alimentação saudável dentro do debate da segurança alimentar para que a favela possa garantir a sua soberania alimentar

De onde surgiu a ideia de criar a Horta Maria Angú?
Walmyr –
A pandemia mostrou resultados muito latentes sobre o reconhecimento da pobreza no território. Houve um aumento da pobreza dentro das favelas durante a pandemia, as pessoas perderam os empregos e não tinham mais condições de colocar alimentos saudáveis na sua mesa e tiveram que recorrer emergencialmente para esse tipo de alimentação alternativa. Quando começamos a observar essa problemática no território, começamos a pensar quais seriam as alternativas para poder garantir uma segurança alimentar para a favela, porque além de ela sofrer de insegurança alimentar por causa do racismo ambiental, ela se torna uma zona de sacrifício do Estado, tanto para ser poluída quanto para ser abandonada. O espaço periférico passa por esse problema; são áreas abandonadas em política pública sem garantia de direito a essa população. Pensando nisso, o projeto surge com o intuito de poder materializar uma alternativa de alimentação segura e saudável dentro da favela

Onde é feita a horta?
Marina –
O plantio da horta é feito na Favela Marcílio Dias, na Maré, que é um dos nomes. Outro nome é Marcílio Dias Kelson. Marcílio Dias é o nome institucional de alguma forma, que é a identificação real do Estado, mas Kelson’s é o nome da comunidade

Por que o nome é Maria Angú?
Walmyr –
Maria Angú era o nome dado à favela que tinha no complexo da Maré ao lado da favela Kelson’s. Ela foi uma favela totalmente removida durante o governo do Carlos Lacerda, entre 1964 a 1966, e era uma comunidade de palafitas, era o último resquício histórico do porto da Penha. O bairro da Penha tinha um porto que fazia conexões das barcas com Cocotá, que trazia os romeiros da Ilha do Governador e de outros lugares do Rio de Janeiro para grandes festividades da Igreja da Penha. Este porto, que não existe mais, se chamava Maria Angú. A ideia de dar este nome para a horta era fazer uma memória do território do Complexo da Maré e de uma favela que foi removida e esquecida do mapa, além de ter um papel histórico, porque os moradores que eram da Maria Angú foram removidos de suas casas. Eles vieram a ocupar as palafitas da Praia da Moreninha que foi a praia que deu origem à favela da Kelson Marcílio Dias. Uma praia que era a área litorânea do bairro da Penha, que foi aterrado para a construção de casas populares na década de 80 em cima de uma área de manguezal, um crime ambiental. Eu pensei que isso não poderia passar batido e decidi chamar o projeto de Maria Angú.

Qual é a colaboração da PUC-Rio com este projeto?
Marina –
A Horta Maria Angú é um projeto de extensão. Quando falamos de projeto de extensão, normalmente há algum tipo de intervenção da Universidade. A diferença deste projeto para outros projetos de extensão ou pesquisa de extensão é que ele foi um projeto basicamente pensado e elaborado pelos alunos, além de ter contribuição ativa de pessoas do território, coletivos engajados e moradores e agentes comunitários. É um projeto bem dialógico, porém pensado por pessoas da PUC.
Walmyr – Nós fizemos uma parceria com a Pastoral, o Departamento de Teologia, a Vice-Reitoria Comunitária e a Arquidiocese do Rio para poder pensar um projeto de articulação que tivesse uma incidência na comunidade. A Horta Maria Angú é um projeto da comunidade da Kelson’s, mas também é impulsionado pela PUC-Rio, incentivado pelo Professor Padre Waldecir Gonzaga, que assinou o projeto aprovado pelo edital do IEAHu, somados ao voluntariado e fornecimento de insumos.

Quantas pessoas trabalham atualmente no projeto?
Walmyr –
São ao todo 17 pessoas que trabalham na horta, entre elas funcionários, alunos e ex-alunos. Nós temos apenas uma voluntária que não é da PUC.

Qual é o destino desses alimentos?
Marina –
Nós temos duas creches parceiras para as quais nós destinamos basicamente todos os alimentos. Escolhemos duas creches comunitárias porque elas são símbolos de resistência de maneira geral, porque dentro da Kelson’s não existem creches comunitárias, É um vácuo do Estado porque existem crianças que precisam de creche. Essas creches vêm para suprir uma necessidade local muito forte que é cuidar das crianças que moram dentro desse território, e nós entendemos que essas creches são espaços de grandes laços comunitários, um símbolo comunitário muito forte, até porque grande parte delas tem muita dificuldade de se manter monetariamente. Por isto, escolhemos duas creches parceiras: a Ovelhinha de Jesus e o Hotelzinho da Criança.

O que é produzido atualmente?
Walmyr –
Nesta última semana, nós colhemos um quilo de quiabo, meio-quilo de jiló e de couve. Mas já colhemos beterraba, coentro, cheiro verde, salsinha, berinjela e agora estamos com a plantação de abóbora.
Marina – Nós tentamos produzir o máximo de quantidade possível, mas que seja diverso para quando doarmos, até porque as pessoas não comem só mandioca, por exemplo. Elas comem uma variedade de alimentos com diversos nutrientes diferentes.