Entrevista

PUC-Rio: um verdadeiro projeto de país

PUC-Rio: um verdadeiro projeto de país

No início do ano letivo, o Padre Anderson Antonio Pedroso, S.J., Reitor da PUC-Rio, anuncia nova etapa na história da Universidade. Os projetos serão ainda mais vibrantes, inovadores e criativos. Alguns ajustes foram feitos na governança, sempre tendo em mente os valores humanistas fundacionais, “à luz da grande tradição cristã-católica”. Em seus 82 anos, a PUC-Rio já comprovou as profundas raízes de seus êxitos. Os jovens são formados em um modo de proceder que permite “discernir, decidir e realizar”. Diante dessa perspectiva, Padre Anderson afirma que não saem do campus apenas profissionais excelentes, mas pessoas que sabem fazer “as melhores escolhas para si e para a sociedade”. Para ele, todos devem ser incentivados a participar dessa construção como protagonistas.

Na Assembleia Universitária, a Vice-Reitora de Extensão e Estratégia Pedagógica, professora Jackeline Farbiarz, ressaltou que um dos objetivos fundamentais da PUC-Rio é a formação profissional e humana dos alunos tendo em conta a perspectiva do outro. Como o senhor traduz na prática esse propósito no calendário de 2023?
Padre Anderson Antonio Pedroso, S.J.:
Estamos em um processo muito importante de implementação das políticas de extensão universitária. Creio que é nesse contexto que a professora Jackeline Farbiarz ressaltou a importância da formação humana e profissional dos alunos. Esta sempre foi a marca da PUC-Rio, mas, no contexto atual, dada à complexidade da sociedade, o imenso desafio socioeconômico (empobrecimento) da Cidade do Rio de Janeiro e a grande competitividade que se estabeleceu no mundo profissional, precisamos especialmente revisar nossos métodos. Em outros termos: é preciso inovar! Nesse sentido, a extensão é fundamental. Não se trata simplesmente de “curricularizar” as atividades de extensão. Tudo o que a PUC-Rio faz tem de ser guiado por sua identidade e missão, que se reflete na busca de excelência acadêmica, unida aos valores humanistas fundacionais, à luz da grande tradição cristã-católica. Assim, a extensão torna-se, para nós, uma oportunidade. Ela pode ser um prisma que oferece perspectivas novas de inovação pedagógica. Discuti esse tema longamente com a professora Jackeline. Um pouco antes de se tornar Vice-Reitora, ela esteve à frente dessa missão de mapear as iniciativas e propor uma sistematização da extensão. Ela coordenou um grupo grande de professores representantes de todos os departamentos, que contou com a colaboração de outros atores da comunidade acadêmica: professores, pessoal técnico-administrativo e alunos. Foi um trabalho hercúleo, correndo contra o tempo. Aproveito esta ocasião para agradecer a todos, especialmente esse grupo de professores da Universidade, que demonstraram a força e a excelência da PUC-Rio. O calendário 2023 será marcado por um tempo de análise e aprofundamento de novas práticas, com a ajuda desse olhar, isto é, sob o prisma da extensão. Tudo vai seguir o caminho do discernimento, ou seja, antes de algo se tornar definitivo é preciso fazer a experiência. Gosto de lembrar que, na pedagogia do ensinamento jesuítico, a categoria da experiência é fundamental. Tem um caráter epistemológico emblemático e faz parte das bases de todo processo de discernimento espiritual e material. Para Santo Inácio de Loyola, não havia contradição nesses dois âmbitos da realidade humana. Em síntese, sem a experiência não há real ensino e aprendizagem, nem se pode escolher e decidir (o produto do discernimento). Queremos formar profissionais excelentes, mas, sobretudo, pessoas que saibam fazer as melhores escolhas – para si e para a sociedade.

O Vale da Gávea e o Amazonizar vão abrir as portas da Universidade para projetos que incluem comunidades vizinhas e as que estão mais longe, na Amazônia. Como esses grupos podem se beneficiar do olhar, cuidado e fazer acadêmico?
Padre Anderson:
A palavra projeto é usada para quase tudo, mas, para mim, parece sempre implicar a capacidade de imaginar cenários e traçar caminhos. Por isso, prefiro chamar estas duas grandes iniciativas de metaprojetos, que podem ser plataformas de convergência e sistemas inspiradores da Universidade como um todo. Esses metaprojetos são parte de uma exigência de projeção ou antecipação da Universidade, inserida em um contexto local e global. Essa visão conjunta – o Vale da Gávea e o Amazonizar – consiste em imaginar novos cenários, novas formas de viver e de conviver, em si mesmas inovadoras. Ambas têm um viés humanista, mas também tecnológico e pedagógico. Queremos inspirar uma nova maneira de viver, de ser humanos, colocando a tecnologia a serviço da promoção da justiça socioambiental e da geração de renda para a população local. Nessa perspectiva, a população local tem que ser protagonista. A Universidade colocará toda sua capacidade de pensar e de agir em prol desses metaprojetos, que são inspiradores de todos os demais projetos.

Na prática, a proposta inicial é que promovamos uma grande conversa com todos os pesquisadores da PUC-Rio e também com todos os atores que atuam em projetos no entorno da Universidade, especialmente nas comunidades locadas ou circundantes ao Vale da Gávea (Rocinha, Parque da Cidade, Vidigal). Servindo-nos do mapeamento que nos foi oferecido pela Vice-Reitoria de Extensão e Estratégia Pedagógica, ficamos impressionados ao identificar mais de uma centena de projetos que levam a marca da PUC-Rio, no nosso entorno, especialmente a contextos humanos mais vulneráveis. Mas nem sempre há conhecimento dessa riqueza de iniciativas. Precisamos corrigir isso. Minha convicção e esperança é de que possamos convergir e desenhar (design!) ações conjuntas, políticas educativas e iniciativas estratégicas que possam produzir maior impacto no entorno e, consequentemente, na cidade e no Estado do Rio de Janeiro. Enfim, vamos agir juntos. O mesmo se dará no metaprojeto “Amazonizar”, mas em outra perspectiva. Gosto muito de explicar que este projeto me veio à mente ao escutar o Provincial dos Jesuítas do Brasil, Pe. Mieczyslaw Smyda, S.J., na ocasião de sua passagem pela PUC-Rio, em outubro do ano passado. O termo “amazonizar” soa propositalmente diferente: trata-se de um verbo. Por quê? Porque ele nos coloca em ação. Como uma realidade aberta, mas estruturante, nos diz que precisamos primeiro nos “amazonizar”, isto é, absorver os valores da Amazônia, compreendida como um ecossistema único, fonte de vida e esperança para a humanidade. Em seguida, “amazonizamos” nossos projetos, ou seja, imaginamos e pensamos como nossas pesquisas, iniciativas e capacidade de captar recursos podem ser voltadas para o bem dessa população e de seu habitat, conservando o seu modus vivendi. Nesse sentido, a Companhia de Jesus sempre procurou manter um olhar antropológico sobre as diferentes culturas. Mesmo tendo padecido das vicissitudes históricas de cada período e até ter cometido erros, sempre houve um grande interesse em descobrir como Deus age no mundo, especialmente por meio das culturas. Estou dizendo isto porque não podemos permitir que nenhuma conotação colonialista ou mercantilista se estabeleça. Pelo contrário, os povos originários, bem como os demais habitantes da Amazônia, têm de ser respeitados e protegidos. Mas isto não nos exime da responsabilidade de apoiar e promover sua autonomia e protagonismo. Assim, queremos nos comprometer com esse complexo e riquíssimo eco-humano-sistema, que comporta biomas e características fundamentais para que o nosso planeta volte a ser saudável.

O senhor mencionou que a governança da Universidade será como um poliedro, com muitas faces apontando para o futuro. Como professores, funcionários e alunos podem fazer essa caminhada juntos?
Padre Anderson:
A inspiração vem do Papa Francisco, que gosta de usar essa expressão que, ao mesmo tempo, é imagem e metáfora de interação. A governança que proponho para a nova gestão da Universidade é baseada na necessidade de um pensamento e de uma prática sistêmicos. Eu me dei conta, logo ao chegar à PUC, que tínhamos uma comunidade pulsante, com muitas pessoas comprometidas com o bem da PUC-Rio. Percebi, porém, que, para exercer a criatividade necessária para renovar a Instituição, era necessário estabelecer uma nova governança. Como já comentei várias vezes, a PUC-Rio tem um modelo de autonomias que precisam ser orquestradas. Essa sempre foi a função do Reitor jesuíta, já que esse modelo nasceu da própria Companhia de Jesus. Não podemos esquecer que os primeiros diretores de departamentos da PUC-Rio foram jesuítas, assim como decanos, além de um certo número de professores. Pois bem, esses homens foram formados nessa “escola” desenhada pelo fundador, Santo Inácio de Loyola. De fato, desde a sua fundação, a Companhia de Jesus priorizou a formação de homens capazes de exercer uma autonomia inigualável para os padrões da época. Todos eram, então, forjados por uma série de experiências, que tinha como fundamento um vínculo profundo (intelectual, espiritual e afetivo) com a Ordem, uma lealdade aos ideais e projetos e, sobretudo, uma grande liberdade interior para dispor de si mesmos, diante do pedido ou de uma orientação do superior. A obediência autêntica – exercida na liberdade espiritual, afetiva e intelectual – sempre foi o fundamento dessa autonomia. Talvez precisemos nos formar juntos, buscando a sabedoria que se pode colher dessa escola de discernimento que é patrimônio de todos os que a buscam. Creio que esse é um desafio fascinante para toda a comunidade, mas especialmente para quem está em cargos de gestão. Poderemos redescobrir as raízes do êxito da PUC-Rio. Elas são profundas, espirituais (não necessariamente confessionais), em uma expressão que me vem à mente agora: elas são um tipo de sabedoria que se exprime em um modo de proceder concreto para a formação dos jovens – discernir, decidir e realizar.

Com o tempo, o desenho do brasão sofreu alterações em muitos setores da PUC-Rio. De que maneira o redesenho do novo brasão vai unificar o símbolo e o espírito da Universidade? Como o senhor define a nova identidade visual?
Padre Anderson:
Creio que o brasão não sofreu, mas “viveu” algumas modificações durante o tempo. Ele até parece nos indicar esse caráter de renovação perene, embora serena, que a tradição institucional precisa ter. Eu até pensaria que o brasão, além de ser uma marca da Instituição, revela, na verdade, nosso modo de vê-la. A nova configuração nasceu da necessidade concreta de adaptar a forma às novas tecnologias digitais. Assim, para além do aspecto estético, prefiro que se olhe o caráter emblemático de uma verdadeira mudança de matriz de pensamento e de visão. Propomos um novo olhar, que implica uma renovação de métodos, de tecnologias e de formas de atuar. Nessa proposta da nova identidade visual, eu gosto do aspecto dinâmico, das cores e, sobretudo, da inspiração, senão da instigação a modelar novas formas. Um manual de aplicação da nova identidade visual será oferecido a todos os departamentos e unidades complementares da Universidade. Assim, em pouco tempo, teremos uma unidade de visão – nos dois sentidos do termo: vamos nos ver e seremos vistos. Nosso modo de olhar pode configurar nossa maneira de agir: mais sistêmica, dinâmica e vibrante.

Qual a mensagem que o senhor gostaria de deixar para a comunidade PUC-Rio neste início de semestre?
Padre Anderson:
Minha mensagem é de esperança e de convite a renovarmos o compromisso com a nossa PUC-Rio. Vou completar nove meses como Reitor. Estou muito feliz, pois nunca me senti sozinho. Pude contar com a ajuda de muitos membros da comunidade PUC-Rio desde o primeiro momento. Cada vez mais sinto o apoio concreto e positivo com a gestão proposta. A comunidade como um todo tem abraçado com generosidade e prontidão as iniciativas. Creio que começamos a perceber que mudar é preciso, que não é só uma questão de sobrevivência, mas de qualidade de vida. Demos passos fundamentais em termos de governança e de sustentabilidade – e já temos bons resultados. Estamos fazendo outros movimentos na direção de uma inovação, em termos amplos e profundos, da infraestrutura do campus até a orientação pedagógica – essencial, urgente e irrenunciável nos dias de hoje. Demos alguns passos e temos um belo caminho. Eu conto com todos que tenham um coração aberto e disposição para continuar colocando suas melhores forças em prol do bem desta obra educativa. Um verdadeiro projeto de país: mais justo, solidário, gerador de riqueza para todos, inovador e criativo, enfim, mais feliz. Finalmente, minha mensagem se dirige aos alunos: aos novos, aos veteranos e aos antigos. Vocês são a razão de nossa existência como Instituição de Ensino Superior, uma universidade comunitária (sem fins lucrativos, filantrópica) singular, que exprime, de maneira eloquente e concreta. Espero em Deus que vocês nos ajudem a construir uma PUC-Rio cada vez melhor. Que possam participar como protagonistas desta história que se renova a cada ano letivo.