Entrevista

Reflexão sobre a fome no Brasil

Por: Eduarda Farias

Reflexão sobre a fome no Brasil

Vice-Reitora de Extensão e Estratégia Pedagógica, Jackeline Farbiarz: “A fome dói, sufoca, humilha”. Foto: Mateus Monte

“Fraternidade e Segurança Alimentar: O que o Nordeste e Padre Cícero Romão ensinam para o Brasil?” é a temática da 5° Semana das Comunidades que será organizada pelo Convênio SUSTICOM, com mesas de discussão no Espaço Dom Luciano Mendes – Salão da Pastoral Universitária Anchieta, de 28 a 31 de agosto. A abertura será no dia 28, às 14h, com a presença do Arcebispo do Rio de Janeiro e Grão Chanceler da PUC-Rio, Dom Orani João Cardeal Tempesta, O.Cist., do bispo diocesano do Crato, Ceará, Dom Magnus Henrique Lopes, O.FM. Cap., e do Reitor da Universidade, Padre Anderson Antonio Pedroso, S.J., entre outros participantes.. A Semana busca debater o combate à fome e a desigualdade no Nordeste e no Brasil nas dimensões política, social, educacional e teológica. Envolvidos na organização da 5ª Semana das Comunidades, a Vice-Reitora de Extensão e Estratégia Pedagógica, professora Jackeline Farbiarz, o diretor do Departamento de Teologia, Padre Waldercir Gonzaga, e a professora Francilaide Ronsi, do Departamento de Teologia, comentam como encontros como este são importantes não só para refletir sobre o problema como também para indicar caminhos que contribuam para erradicação da fome. Para se inscrever na 5ª Semana das Comunidades, clique aqui.

Por que foi escolhido o tema “Fraternidade e Fome” para a Semana das Comunidades 2023?
Padre Waldecir Gonzaga:
A Conferência Episcopal, de um ano para outro, coloca para a Igreja Católica no Brasil quais seriam os temas mais urgentes na realidade do cenário brasileiro. Na pandemia, o PIB caiu, principalmente nos países mais pobres do mundo e também na América Latina. E não foi diferente no Brasil. Começamos a usar uma expressão: houve um “agigantar-se” da situação de miséria e pobreza no mundo. Sempre há um texto da Sagrada Escritura no texto-base da Semana, e, neste ano, foi do Evangelho de Mateus em que Jesus diz à multidão faminta: “Dai-lhes vós mesmos de comer!” (Mt 14,16), ou seja, ajudem a multidão a alimentar-se. Procura-se iluminar a realidade social a partir da Palavra de Deus como um critério de ação para que o mundo cristão possa agir.
Jackeline Farbiarz: A fome é a expressão máxima de nossa falência como sociedade. A fraternidade é a expressão máxima de nossa potência em humanidade. Nossas formas de ser, estar e agir no mundo são postas em questão, quando há dor. A fome dói, sufoca, humilha. Vivê-la em sociedade, consciente de ser ela desnecessária, a transforma em tema recorrente. Uma outra pergunta possível seria “o que leva o tema a não ser o único proposto desde sempre?” Como as urgências são plurais, como para além da fome que restringe ao vazio, que mata, há outras fomes, pedindo por uma fraternidade que também está clamando por alimentação, por compaixão, reconhecimento e ação. Assim, o tema fundamental cede lugar a outros, esperançoso de não precisar retornar. Mas, como estamos distanciados do exercício de comunidade, ele ainda precisa nos ser lembrado, não apenas para nos sentirmos participantes de um exercício de justiça social, mas para reconhecermos que precisamos avançar para além de momentos pontuais; que precisamos nos reconhecer em pensamento sistêmico, que precisamos nos interligar para o desenvolvimento de processos contínuos e de soluções situadas na compreensão de que existimos em extensão, em escuta, reconhecimento, aprendizado, ação e transformação mútua e contínua.

Diretor do Departamento de Teologia, Padre Waldecir Gonzaga, e professora Francilaide Ronsi. Foto: Mateus Monte

O que podemos aprender com o Padre Cícero Romão?
Francilaide Ronsi:
Ele nasce em uma época muito difícil no Brasil, vive épocas terríveis de secas e grande escassez de água, alimento, trabalho e mais na região do Cariri. Ele enfrentou tudo isso com muita criatividade. E o que Padre Cícero tem a dizer para o país? Quais foram as criatividades, as ideias, esse movimento de pertença e ao mesmo tempo de pensar em dar condições às pessoas para sobreviverem naquele espaço? Ele está iluminando a discussão da 5ª edição da Semana das Comunidades com sua criatividade, superação, colaboração e seu modo de agir. A Semana não é para trazer respostas prontas, mas vamos pensar a partir de experiências que deram certo, para o hoje e pelo amanhã.
Jackeline: Há em nossa Universidade pessoas especialistas no percurso, na história de vida, de realizações de Padre Cícero. Do cargo que ocupo no momento – a Vice-Reitoria de Extensão e Estratégia Pedagógica – lugar de encontro do intramuros com o extramuros. Espaço de acolhimento e proposição de ações vinculadas a questões fundamentais que asseguram a identidade e missão de nossa Universidade, como comunitária, escolho sintetizar os aprendizados em alguns verbos, como os que compõem estratégias pedagógicas críticas. Isso por entender Padre Cícero como alguém que escolheu a reflexão na ação como gratidão a Deus. Assim, deixo, na esperança de que ressoem, os verbos, escutar, reconhecer, discernir e agir.
Padre Waldecir: Padre Cícero é, sem sombra de dúvida, no meio religioso católico, sobretudo popular, a figura mais célebre que nós temos. Ele teve uma preocupação muito grande com os pobres, a ecologia, com o cuidado socioambiental, com a defesa das mulheres e a defesa dos jovens.

Vocês consideram que o país passa por uma epidemia de fome?
Padre Waldecir:
Veja bem, eu não diria epidemia. Nós temos pessoas morrendo de fome? É claro que temos, mas eu ainda não usaria a palavra epidemia. Nós estamos saindo de uma pandemia, portanto, sabemos o que é uma epidemia. Mas existe um “agigantar-se” da pobreza, da fome, da miséria e do desemprego, o quanto estamos sofrendo com isto e quais consequências isso pode ter se não dermos as mãos e agirmos em prol da superação desta triste situação na vida dos irmãos e irmãs empobrecidos.
Francilaide: O texto base da Campanha da Fraternidade 2023, em número 31, diz: “A fome não foi criada, mas radicalizada pela pandemia da Covid-19”. A pandemia veio como uma facada e, com certeza, marcará todas as nossas ações desta década. A fome no Brasil é um escândalo, como é que se pode ter tanta miséria, tanta fome, com 125,2 milhões de brasileiros que não sabem quando terão a próxima refeição? Em 1948, tivemos a Declaração dos Direitos Humanos, prestes a completar os 75 anos, que garante os direitos básicos. O que o Brasil, que assumiu os compromissos ao assinar o documento, precisa fazer para que se torne verdade? Não é uma preocupação somente religiosa, precisamos ver os compromissos que abraçamos e ainda não concretizamos.
Jackeline: Poderia responder de uma forma totalmente objetiva, trazendo números e o adjetivo “expressivo” ao lado de cada um, para dizer que vivemos uma realidade incompatível com palavras como cidadania, por exemplo. Mas prefiro compartilhar um aprendizado; ou o que defini em mim como a soma de dor, repúdio, ação e esperança. O aprendizado foi ofertado por uma criança de 7 anos. Estávamos o nosso Reitor, Padre Anderson Pedroso, e eu como coordenadores do projeto “Jovens do Presente, antecipando futuros desejáveis” junto a alunas e aos alunos de graduação e pós-graduação, e aos jovens vinculados ao Núcleo de Estudos e Ação Mundo da Juventude (NEAM) em atividade extensionista, desenvolvida em co-autoria com crianças e jovens que moram na Rocinha e no Parque da Cidade. No momento do almoço compartilhado, uma das integrantes do grupo relatou que uma das crianças comia muito rápido e já estava indo para o quarto prato. Sobretudo, o que chamou a atenção no relato dela, foi a defesa formulada pela criança que estava ao lado da que pedia mais um, dois, três pratos de comida. A criança ao lado, justificava, dizendo: “deixa ela comer mais; ela não sabe quando vai ter comida em casa de novo”. Ambas as crianças não tinham mais do que 7 anos de idade. Quando uma sociedade tem uma criança – uma única que seja – com tamanha consciência e tamanho potencial de argumentação fundado na experiência; a pergunta formulada nesta entrevista…

Qual a importância de trazer o debate da fome e desigualdade para a PUC-Rio?
Padre Waldecir:
Eu acredito que o valor está na temática em si, pois a união entre a realidade socioambiental, os desafios pastorais que a Igreja enfrenta diante da realidade das comunidades, com a agigantada pobreza, a fome e a miséria, e aquilo que a Universidade pode oferecer no tripé: Ensino, Pesquisa e Extensão. É muito importante que o tripé abrace esta causa, ou seja, que a Universidade vá até a comunidade e traga ela para dentro. Ainda, o que as vice-reitorias, os departamentos e as unidades podem colaborar neste trabalho em vista do bem comum, especialmente pensando nos mais pobres de nossas comunidades do Rio de Janeiro, a depender de cada tema em cada ano? É preciso que nós abracemos a causa e desenvolvamos ações em conjunto.
Jackeline: Somos uma Universidade comunitária, confiada à Companhia de Jesus, e, repetindo aqui uma expressão utilizada pelo Grão-Chanceler de nossa Universidade, Dom Orani Tempesta, somos uma universidade em tenda alargada. Não há espaço para omissão aqui. Os meta-projetos “Gávea Carioca” e “Amazonizar” que instigam toda a universidade a se interligar e, sobretudo, a agir em torno de questões fundamentais, demonstram que fomos nos preparando, ao longo dos mais de 80 anos de nossa história, pelo caminho da indissociabilidade ensino-pesquisa e extensão, a agirmos em reflexão na ação, em responsabilidade. Debater significa propiciar que nossa comunidade se coloque em reflexão, para contextualizar, experienciar, analisar, agir, avaliar e ressignificar. Somos uma Universidade em cuja tenda convivemos em pluralidade, em diversidade. As urgências que geram temas como o que dá origem a esta entrevista também existem aqui. Estão em nós e entre nós. Indagarmos em cada aula em que estivermos; em cada pesquisa e projeto que vivenciarmos; em cada evento de que participemos: enfim, em cada espaço que percorrermos no nosso campus como poderemos nos constituir em consciência; comprometimento, compaixão e colaboração. Penso ser o que debates como o que estamos promovendo almejam mover em nós, ou, como prefiro dizer, ‘co-mover’ em nós.
Francilaide: O que queremos é ter uma conversa e pensar no futuro, em parcerias na PUC-Rio, no aspecto da extensão universitária, em ampliar a relação com a Diocese do Crato e a Arquidiocese do Rio de Janeiro. Nós, os professores e as professoras, com os alunos e alunas, podemos levar projetos concretos para trabalhar na erradicação da fome a partir dessas conversas. E nós vamos ter uma semana para trabalhar o tema e buscar e procurar respostas e ações em conjunto, isso já é muito bom.