Entrevistas

Reimaginar a vida: o que ainda não sabemos

Reimaginar a vida: o que ainda não sabemos

Paloma Roriz e Rosana Kohl Bines organizaram o colóquio para averiguar se os adultos, inspirados nas crianças, podem deflagrar processos de reimaginação política (Foto: Matheus Santos)

A infância como inspiração e território de invenção e imaginação é o tema do Colóquio Internacional “Infância em jogo: especular o presente”, que está sendo realizado durante o mês de maio. O Colóquio é resultado de uma parceria entre o Programa de Pós-graduação (PPG) em Literatura, Cultura e Contemporaneidade, da PUC-Rio, com os programas de Pós-graduação em Estudos de Literatura, da UFF, e de Ciência da Literatura, da UFRJ, com apoio da Faperj. Além de três encontros remotos, haverá encontros presenciais nos dias 15 e 16 de maio, na sala do Decanato (12° andar do Edifício Cardeal Leme). O PUC Urgente conversou com a professora Rosana Kohl Bines, do Departamento de Letras, e com Paloma Roriz, integrante do PPG, que fazem parte da Comissão Organizadora.

Como os mundos da infância serão impulsionadores das discussões e que temas serão debatidos?
Rosana Kohl:
O Colóquio deseja perguntar que outros mundos são lançados no mundo, quando pensadores e artistas adentram “o quarto de brinquedos” (ou o espaço do quintal) e dali colhem dispositivos de reflexão e de invenção? Como os impulsos da infância podem abrir espaços de jogo no campo especulativo e artístico? E ainda, como o ímpeto lúdico pode deflagrar processos de reimaginação política? Há uma frase da filósofa Marcia Schuback que nos ajudou a desenhar o colóquio. Ela escreve que a infância é a disposição para abismar-se num começo. Podemos fazer a experiência dos começos em qualquer idade. Reimaginar a vida como quem acaba de chegar. Estranhar o mundo e ir na direção do que ainda não sabemos. Essa coragem experimental não é uma prerrogativa apenas das crianças, mas uma chance também para os adultos. Os imaginários da infância ligados ao risco, ao jogo e às formas insurgentes de armar e rearmar a língua, o pensamento, o corpo e a vida são a força propulsora do Colóquio, cujas mesas de debate se organizam não tanto a partir de temas, mas de expressões brincantes: “abrir o verso”; “mostrar a língua”; “virar o jogo”; “puxar o fio”; “correr o risco”; “trocar as cartas”; “riscar a imagem”.

O Colóquio terá participação de pesquisadores, professores, escritores e artistas visuais. De que modo esses diferentes campos de pensamento e de criação podem especular o presente a partir da infância?
Rosana Kohl:
Queremos estimular o cruzamento de diferentes perspectivas na abordagem das infâncias, pensadas no plural, criando um espaço prismático de debate. Inclusive, muitos dos palestrantes têm “dupla ou tripla cidadania”, ou seja, são professores-escritores, pesquisadoras-poetas, artistas-visuais-poetas-professores. O intuito é intensificar a relação entre pesquisas teóricas e trabalhos artísticos para sondar o potencial crítico, reflexivo, artístico e político das infâncias em produções de pensamento, conhecimento e de ações criativas no contemporâneo. Não se trata de pensar “sobre” as infâncias, mas de considerá-las como força especulativa e pulsão experimental, junto às quais se aumenta o risco e a voltagem do pensamento.

O primeiro encontro remoto foi com o professor Osvaldo Manuel Silvestre, da Universidade de Coimbra, que trouxe uma leitura de “Alice”, de Lewis Carroll. Que versão da infância é apresentada nesse clássico?
Paloma Roriz:
Sim, abrimos com a palestra do professor Osvaldo Manuel Silvestre em torno de Alice, de Carroll. Lançando mão de uma contundente perspectiva teórica, o professor Silvestre procurou problematizar o estatuto desta obra como “infantojuvenil”, naquilo que desta lhe escapa e a promove a uma dimensão de obra “clássica”, capaz de suportar o peso de leituras críticas de maior envergadura ao longo do tempo. A força da obra estaria então no que ela traz de abertura e ambivalência, ao ser atravessada por uma infância que afinal se revela elástica e indomesticável. Uma infância que ultrapassa a criança, nos termos propostos por Virginia Woolf: “As duas Alice não são livros para crianças, são sim os únicos livros nos quais nos tornamos crianças”.

A poesia pode ser considerada uma “prática da infância reinventada”, como sugere a escritora Júlia Carvalho Hansen?
Paloma Roriz:
A poesia possui uma longa tradição de diálogo com o topos da infância. Para a ideia de modernidade poética, este topos vai ganhar um lugar de destaque, sendo mesmo determinante para entendermos uma série de elementos que a fundamentam, desde a construção do sujeito lírico moderno, com fabulações imagéticas muito próprias, pensadas por poetas como Charles Baudelaire, por exemplo, como o forjamento de muito do que estará por trás do pensamento das vanguardas artísticas e de seu interesse em recuperar a “mão desaprendida” da infância, sendo possível pensarmos que a invenção do conceito de infância surge em certa medida com a própria invenção do sentido de modernidade. Na poesia contemporânea, de um modo geral, vemos a infância ganhando um fôlego figurativo e procedimental bastante interessante, passando por renovações e reconfigurações do tema como um topos que não se esgota.
Rosana Kohl: A esse respeito, vale conferir também a palestra da escritora e pesquisadora portuguesa Patrícia Lino, que participará do colóquio de forma remota no dia 20 de maio. Sua fala tem o sugestivo título: “Todo o poema é um kindergarten.”