Entrevista

Representatividade e inclusão no audiovisual

Por: Ana Tonelli

Representatividade e inclusão no audiovisual

As professoras Elaine Vidal e Carla Siqueira acreditam que chegou o momento de o audiovisual se posicionar (Foto: Eduarda Farias)

As professoras Carla Siqueira e Elaine Vidal, do Departamento de Comunicação, organizaram o encontro “Novas narrativas? Conquistas e desafios na busca por diversidade no audiovisual”. No dia 2 de outubro, foram convidadas as profissionais do GloboPlay, TV Globo e HB Max: Galba Gogóia, Carolina Santos e Camila Alves. No dia 23 de outubro, Thaís Pontes, Renata Andrade e Paula Teixeira, da TV Globo, vão participar do debate. As duas palestras serão das 9h às 11h, na sala 102-K, e vão abordar o comprometimento de empresas de comunicação com a inclusão, conquistas e dificuldades para formar equipes mais diversas.

Vocês acreditam que as oportunidades oferecidas às minorias no mercado audiovisual seguem uma tendência ou é algo estrutural?
Carla Siqueira:
Primeiro, talvez seja importante trocarmos o termo “minorias” por “grupos minorizados”. Convém trocarmos um conceito quantitativo pelo entendimento de que estamos falando de grupos que sofrem com o preconceito, a desigualdade e a baixa representatividade em espaços de poder. Por exemplo, pessoas negras são a maioria da população no Brasil. No entanto, ainda estão sub-representadas nos espaços de influência. E, respondendo à pergunta, o que está acontecendo no mercado audiovisual é que finalmente ele também está sendo cobrado pela implementação de ações afirmativas. Essa cobrança, que vem de parte significativa da sociedade, gera políticas internas de promoção da diversidade. Torcendo para que isso se firme como tendência, talvez vejamos, futuramente, a transformação das estruturas dentro dessas empresas.
Elaine Vidal: Concordo com a Carla, primeiro precisamos parar de chamar de minoria um grupo de indivíduos que compõe mais de 56% da população brasileira, como é o caso da população negra. Na verdade, estamos falando de grupos considerados em posição distinta em termos de oportunidades econômicas, educacionais, políticas e de ascensão social e que, habitualmente, não aparecem como protagonistas. Quando representados, são estereotipados nas narrativas audiovisuais e publicitárias. E essa posição distinta em termos de oportunidades se dá, sim, por conta de racismo estrutural, LGBTfobia, capacitismo e, muitas vezes, xenofobia regional, apresentados como modos contemporâneos dos sistemas de opressão, discriminação, exclusão social, historicamente fortalecidos pela indústria midiática. Só que não estamos aceitando mais esse silenciamento no nosso dia a dia, e essa demanda está sendo refletida no mercado audiovisual.


É fácil notar quando há diversidade nas telas e por trás delas? O movimento de inclusão é efetivo também na equipe das produções?
Carla:
Cada vez mais as empresas estão sendo cobradas por maior diversidade em suas equipes, inclusive nos editais de fomento à produção audiovisual. Isso é importantíssimo. E sim: é fácil notar, nos produtos audiovisuais, como equipes diversas são mais eficazes no ultrapasse dos estereótipos e das histórias únicas, trazendo outras tramas e abordagens. No cinema, na TV aberta e no streaming isso tem ficado bem evidente.
Elaine: Sejamos realistas, se você consegue contar quantas pessoas negras ou quantas pessoas com deficiência ou necessidades específicas têm em uma produção é porque ainda tem muito pouco, não é tão diverso assim. É um começo, mas ainda é pouco. Mas, quando temos equipes de produção plurais, esses questionamentos vêm à tona com mais facilidade. Cabe a nós, profissionais de comunicação, ter em mente o potencial que os discursos midiáticos têm de lançar olhares mais empáticos sobre a alteridade na construção das narrativas audiovisuais.

Em um país com tamanha diversidade e histórias plurais, por que levar tanto tempo para incluí-las no audiovisual?
Carla:
O audiovisual também é um lugar de poder. Assim, uma sociedade hegemonicamente branca, masculina e cisheteronormativa historicamente produziu narrativas que reforçaram esse lugar de poder, a ponto de naturalizá-lo. Dar visibilidade é conferir existência. O audiovisual fez o mesmo que as instituições de ensino, que também sempre apagaram a diversidade e histórias plurais do país.
Elaine: Representatividade é se sentir possível e muitas vezes só achamos possível aquilo que enxergamos. Colocar corpos plurais em evidência em narrativas não estereotipadas é dar chance para que esses corpos se sintam possíveis de existir e não apenas resistir, e isso vai contra uma estrutura de poder presente em uma sociedade racista, capacitista e cisheteronormativa como a nossa.

A inclusão de grupos minoritários está limitada a produtos que abordam o preconceito e a luta ou também busca encontrar espaços em histórias variadas?
Carla:
O que é interessante sobre equipes mais diversas no audiovisual é que elas trazem outras experiências de vida dos grupos minorizados, para além da violência, da dor e da luta. Claro que esses temas continuam sendo importantes, mas as vidas e a humanidade dessas pessoas não se resumem a isso. A série Encantado’s, criada por nossas convidadas do segundo dia do encontro, Thaís Pontes e Renata Andrade, é um ótimo exemplo nesse sentido.
Elaine: Se pensarmos que é preciso diversidade e representatividade para que haja inclusão social de verdade, e que os corpos plurais possam ter voz, entendemos que não deveria ser algo limitado apenas a produtos que falam sobre preconceito. É óbvio que é preciso haver diversidade e representatividade nas produções audiovisuais como um todo. Limitar a fala de uma pessoa negra sobre a temática racista e acreditar que ela deve ser especialista na questão, por exemplo, é ser extremamente racista e acreditar que ela não é capaz de existir além das amarras do racismo.