Seminário debate a relação entre lugares de memória coletiva e as cidades
Por: João Jorge
21 de março de 2021 as 06:30
O Instituto de Estudos Avançados em Humanidades (IEAHu/CTCH) organiza, nos dias 24, 25 e 26 de março, o Seminário Lugares de Memória, com o tema A memória a partir de sua relação com as cidades. Durante os três dias, serão realizadas seis mesas de debate, pensadas por alunos da pós-graduação e da graduação de diferentes cursos da PUC-Rio. Uma das organizadoras do projeto, a arquiteta e doutoranda em História pela PUC-Rio Joana Martins comenta como a memória coletiva se relaciona com o espaço público e como ela vem sendo apagada ao longo de toda a história brasileira. Ela lamenta a transição do seminário para o formato on-line, por causa da pandemia da Covid-19. Marcado inicialmente para março de 2020, o encontro teria na programação uma caminhada dos participantes pela Zona Portuária do Rio de Janeiro. Mas mesmo com o adiamento e as mudanças, os organizadores acreditam que as discussões vão gerar boas reflexões sobre os lugares de memória. Para assistir aos debates, clique aqui.
Como surgiu o projeto Seminário Lugares de Memória?
Joana Martins: A proposta do seminário surgiu a partir de um edital do Instituto de Estudos Avançados em Humanidades (IEAHu/CTCH) para financiar eventos propostos por discentes. A partir disso, alguns alunos da pós-graduação de arquitetura se animaram para elaborar uma proposta de seminário sobre memória coletiva, tema que abrange muitas disciplinas do curso de arquitetura. O debate sobre memória coletiva e sua relação com as cidades é urgente num país construído por sucessivas políticas de apagamento da memória.
Os organizadores do seminário se formaram em diferentes cursos da graduação. Qual é a importância desta interdisciplinaridade?
Joana: A interdisciplinaridade aproxima os departamentos da PUC-Rio e permite que os alunos tenham uma visão mais completa e complexa sobre os assuntos. Possibilita também a troca e o aprendizado entre pessoas de várias áreas acadêmicas. A interdisciplinaridade traz ainda pontos de vista diferentes sobre a mesma questão, algo fundamental no debate sobre memória coletiva. Se o seminário se restringisse somente a uma área, a análise poderia ser rasa.
O que são os lugares de memória?
Joana: Os lugares de memória são fatos coletivos que se relacionam com o território. É pensar como a história e as relações sociais marcam um determinado espaço público. Por isso, a abordagem do seminário é necessariamente política, ao discutir a preservação ou não de determinadas memórias e quais a sociedade escolhe cultivar ou apagar. A história brasileira é muito marcada pelo apagamento. E, por isso, acaba sendo definida também por muita resistência e por tentativas de preservar as memórias. No contexto brasileiro, o que se vê é um misto de sucessivos apagamentos e de resistência de reavivar o passado e contar a história não contada.
Quais os efeitos negativos do apagamento da memória coletiva para a sociedade brasileira?
Joana: No Brasil, existe de fato uma política pública de apagamento e um projeto que escolhe não reconhecer determinadas raízes identitárias da nossa própria história. O marco de início do Brasil como país foi um processo de apagamento: a colonização. E não houve uma reparação histórica justa em relação a este processo histórico. Em alguns poucos momentos, houve reparação histórica no Brasil, como a criação da Comissão Nacional da Verdade, em 2012. A comissão foi uma tentativa de voltar a um ponto do passado, com o qual a sociedade brasileira não lidou bem. E, assim, tentar algum tipo de reparação e revisão desse momento.
Como a memória se relaciona com as diferentes áreas acadêmicas do saber?
Joana: Pensando na ideia da memória como algo necessariamente coletivo, ela envolve a sociedade e as relações, engloba os estudos de sociologia e antropologia. Mas a memória também se relaciona com a história e sua escrita, ou seja, aquilo que é colocado ou não nos registros históricos. O seminário dialoga ainda com a arquitetura e o urbanismo, pois é nos espaços públicos das cidades que ocorrem as trocas coletivas e se constrói a relação dos lugares com a memória. E, se você pensar do ponto de vista subjetivo, a memória também trabalha com o simbólico e com o inconsciente coletivo, o que pode interessar pesquisadores da psicologia e da psicanálise.
Há um ano, o seminário foi cancelado por causa da paralisação das aulas. Como a pandemia impactou o projeto?
Joana: O seminário foi programado para ser feito no formato presencial. Devido à pandemia, houve o adiamento, e a comissão organizadora optou pelo formato on-line. Foi um desafio pensar o seminário virtual, pois vivemos um momento de exaustão de eventos on-line. Outra perda com a mudança para o virtual foi o cancelamento de uma parte fundamental da proposta original do seminário: a caminhada pela região portuária do Rio de Janeiro, um lugar de muitas memórias coletivas da nossa cidade. Este encontro físico, no entanto, se tornou impossível. Mesmo assim, achamos que valia a pena reunir forças para realizar o seminário no formato on-line, pois o tema continua sendo urgente. A pandemia só acentuou a importância desta discussão, pois vivemos um período de imenso sofrimento coletivo e de distanciamento dos lugares coletivos de memória. Diante deste contexto, o seminário se tornou ainda mais fundamental.