Entrevista

Acolhimento como legado

Por: Sophia Marques e Henrique Barbi

Acolhimento como legado

Professor Augusto Sampaio: “A nossa preocupação é manter a humanidade” (Foto: Caio Matheus)

No ano em que comemora três décadas à frente da Vice-Reitoria Comunitária (VRC) da PUC-Rio, o professor Augusto Sampaio vai iniciar um novo ciclo, agora como assessor especial da Reitoria e professor do Departamento de Comunicação. Adjunto de Augusto, o professor Renato Callado ficará interinamente à frente da Vice-Reitoria Comunitária. Querido e admirado por todo o Campus da Gávea, Augusto deu início a uma trajetória marcante há 60 anos, ainda como aluno da Escola de Sociologia e Política da Universidade. Com o golpe militar de 1964, decidiu mudar de curso e trocou as Ciências Sociais pela Economia. Mas isso não o impediu de ser um ponto de resistência e acolhimento durante os Anos de Chumbo. Acolhimento, inclusive, é uma palavra que guiou o professor em todas as funções desempenhadas e marcou o DNA de uma PUC-Rio, que ele mesmo ajudou a construir.

O senhor tem uma longa história com a PUC-Rio. Foi aluno, exerceu diversas funções de comando e é professor da Universidade. Diante desta vivência, o que significou para o senhor o trabalho à frente da Vice-Reitoria Comunitária?
Professor Augusto Sampaio:
Eu acho que o diferencial que nós implementamos na VRC foi o acolhimento, uma coisa que está em falta hoje em dia. Sempre estivemos ligados para amparar as pessoas, ajudar mais, criar setores para atender às necessidades e fazer encaminhamentos. A nossa preocupação foi acolher o aluno, independentemente da classe social. Hoje, as pessoas se preocupam muito em vender boas imagens, e o “olho no olho” está acabando. Enquanto uma vice-reitoria da comunidade, nós buscamos isso: a porta aberta para receber e ouvir as pessoas. Entender o porquê foi a marca da nossa gestão. Depois da pandemia, especialmente, é muito comum a interação on-line, mas quando o problema é humano, nem sempre é possível cumprir os protocolos. Acho muito importante receber as pessoas, sejam pais, alunos ou funcionários, para escutá-los. Muitos conseguem se expressar por escrito, outros conseguem falar, mas alguns não. Por isto atendemos presencialmente das 8h às 20h. A nossa preocupação é manter a humanidade.

O PROUNI se inspirou no projeto pioneiro da PUC-Rio de inserção de pessoas de baixa renda por meio do sistema de bolsas da Universidade. Este é o grande legado da sua trajetória acadêmica?
Professor Augusto:
A PUC-Rio sempre teve bolsas. O problema é que, no passado, chegava até aqui apenas o aluno de classe média-alta. Nenhum menino pobre sonhava em vir para a PUC-Rio. Antigamente, as novelas que representavam casais de jovens ricos pediam autorização para filmar nos pilotis. A PUC-Rio tinha essa imagem. O movimento começou quando a Universidade recebeu uma carta da Conferência dos Religiosos do Brasil, pedindo apoio ao projeto de Pré-Vestibular para Negros e Carentes, do Frei David. O Reitor na época, Padre Laércio Dias de Moura, S.J., disse que poderíamos, sim, receber os alunos que passassem no vestibular, pelo critério do mérito. Inicialmente foram 12 alunos para o Serviço Social. A partir daí, a PUC-Rio começou a abrir as portas mesmo. Anos depois, ao conversar com um Secretário do MEC, ele comentou que isso poderia inspirar uma iniciativa nas universidades da rede pública. A PUC-Rio foi realmente pioneira. O grande legado foi este: uma universidade católica que cumpre, com as bolsas, a sua identidade e missão.

Além de um sistema de bolsas eficiente, o que é preciso para manter uma política de inclusão eficaz?
Professor Augusto:
Isso foi um desafio para a Universidade. Depois que começamos a receber alunos bolsistas, o professor Sérgio Bonatto, do Departamento de Comunicação, e o Padre Javier Enciso S.J., um dia procuraram a VRC para colocar uma questão importante: a gratuidade do ensino não garante que um jovem pobre possa estudar na PUC-Rio. Aí concebemos o Fundo Emergencial de Solidariedade da PUC-Rio (FESP), que permitiu que o jovem pudesse permanecer na Universidade. Hoje, no município do Rio de Janeiro, existem facilidades acerca da alimentação e transporte para o aluno bolsista, mas antigamente não havia isso. Depois de alguns anos, observei que não tínhamos competência para resolver problemas mais profundos, de ordem psicopedagógica. Foi quando criamos o PSICOM, e mais recentemente, em 2018, o Programa Equilibrium, como ponto de apoio para o bem-estar pleno, um recurso essencial. No futuro, uma preocupação nossa vai ser aumentar o FESP, que atualmente atende 1.160 alunos, e não aumenta porque não há recursos. Outra meta que a Universidade também deve cumprir, nos próximos anos, é elaborar um sistema mais abrangente de bolsas, sem perder o compromisso com a questão acadêmica.

A Vice-Reitoria Comunitária tem uma ação próxima ao corpo discente. Qual o caminho para o entendimento dos jovens?
Professor Augusto:
O caminho para o entendimento dos jovens, independentemente da geração, é procurar ouvir e entender o contexto. Acolher é a primeira atitude para tentar ajudar. E mesmo se não for possível, fica mais fácil para a pessoa ouvir o “não”. Educar é difícil. Sinceramente, eu acho que o jovem é igual, sempre foi. Saio do comando da VRC com a alegria de deixar este legado. Mas não o construí sozinho, contei com a ajuda de muita gente.