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Deslocamentos forçados e a violência

Por: Julia Amoêdo

Deslocamentos forçados e a violência

No seminário, a professora Ariane Paiva quer mostrar como é importante a questão dos deslocamentos forçados (Foto: Caio Matheus)

O Seminário “Conflitos armados, deslocamentos forçados e desproteção social no Rio de Janeiro”, promovido pela Cátedra Sérgio Vieira de Mello da PUC-Rio/ACNUR, com a parceria de três grupos de pesquisa do Departamento de Serviço Social – GESPD, NEGAS E LEUS – ocorrerá no dia 31 de outubro, no Auditório Padre Anchieta. Com três mesas de debate e a participação de pesquisadores de outras instituições, o seminário vai tratar de assuntos como a presença de milícias e facções no Rio de Janeiro, o papel do Estado e a falta de proteção à população no Brasil e no mundo. A professora Ariane Paiva, do Departamento de Serviço Social e coordenadora da Cátedra Sérgio Vieira de Mello, organizou o encontro junto aos professores Roberto Yamato, do IRI, e Florian Hoffman, do Direito. Para a docente, o tema do seminário é importante para dar atenção devida à questão dos deslocamentos forçados, que não ganham tanto destaque quanto os conflitos armados, por exemplo.

Qual a importância dos assuntos abordados pelo seminário neste momento? Principalmente ao levar em consideração acontecimentos recentes, como a queima dos ônibus depois da morte de um miliciano.
Ariane Paiva:
Esse é um tema que o estado do Rio de Janeiro já convive há muito tempo, não é algo novo e nem começou agora, mas a questão do deslocamento não vem sendo visibilizada. Falamos muito dos extermínios, dos conflitos armados, dos atores que fazem parte desses conflitos – milícia, tráfico, estado, polícia –, mas falamos pouco dessas pessoas que precisam sair das próprias casas pelo risco de morte, pelas expulsões ou aqueles que não têm condições de sair, mesmo sofrendo riscos. O tema é pensado a partir das referências internacionais de proteção humanitária e a desproteção das políticas estatais.

Na Universidade, há grupos de pesquisa, trabalhos e projetos realizados para pensar o Rio de Janeiro a partir dessa perspectiva dos conflitos armados e os impactos na população?
Ariane:
Nós temos vários grupos de pesquisa e, nesse seminário, tentamos convidar pesquisadores de outras instituições: tem participação da UFF, UFRJ, Unifesp, do Observatório de Metrópoles. No Departamento de Serviço Social, fizemos uma parceria entre três grupos de pesquisa, o Laboratório de Estudos Urbanos e Socioambientais (LEUS), coordenado pelo professor Rafael Soares Gonçalves, o Núcleo de Estudos em Saúde e Gênero (NEGAS), coordenado pela professora Nilza Rogéria, e o de Estado, Sociedade, Políticas e Direitos Sociais (GESPD), coordenado por mim, que trabalham diretamente com essa temática de favela, violência e sujeitos coletivos. A gente faz isso de forma integrada. Esses grupos têm algumas redes sociais que divulgam o trabalho, o próprio site do Departamento também anuncia as atividades, e temos os contatos dos professores, para quem estiver interessado em participar.

Pode falar um pouco mais sobre os grupos de pesquisa?
Ariane:
Além dos três grupos de pesquisa do Departamento, também fizemos uma parceria com a Cátedra Sérgio Vieira de Mello, em conjunto com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), do qual também faço parte, e que atua com o tema de deslocamento humano. Esses grupos têm uma atuação na pesquisa propriamente dita, em atividades de extensão e no ensino. Há uma disciplina da Cátedra oferecida todo semestre, na graduação ou na pós-graduação, sobre o tema do refúgio. Um dos assuntos abordados na proteção internacional é o deslocamento forçado interno, aquelas pessoas que não romperam a fronteira. É o caso dos colombianos que, por conta da violência armada, se deslocam mas não deixam o país. A gente está entendendo que no Brasil também tem essa realidade, mas não ocorre deslocamento em massa, como na Colômbia. A ideia é que possamos reunir várias perspectivas teóricas e metodológicas para abordar essas questões.

Como as operações na Maré, por exemplo, estão relacionadas à histórica falta de planejamento urbano e às políticas públicas na cidade?
Ariane:
Não acho que seja uma falta de política. Existe uma política de segurança pública que tem um projeto armamentista, de confronto, que não segue as recomendações dos especialistas das áreas sociais e das ciências políticas. Não falta política, o governo estadual gasta muito recurso com armamento, com a polícia. O investimento na polícia é muito importante, mas ele não é o único caminho para se resolver as questões da segurança pública, é mais complexo do que isso. Nesse momento, vemos as expressões de anos de uma política que deixa muito a desejar no quesito social e que fortaleceu, nos últimos tempos, os grupos militares nessas comunidades. As milícias tomaram um espaço muito maior: além das guerras por territórios, também há uma aproximação entre milicianos e traficantes, temos acompanhado esse fenômeno pelas pesquisas e pelos jornais. Vimos, com o governo federal anterior, um incentivo para o armamento da população e de privilégio de segurança através de milícias – por exemplo, com a fala de Bolsonaro a favor desses grupos antes das eleições. Isso tem uma repercussão para o cenário atual, obviamente.
Para a senhora, quais são os caminhos possíveis para a redução dos conflitos?
Ariane:
Já se fala há muito tempo do investimento em inteligência. Vemos as operações na Zona Sul e as operações na Barra da Tijuca, por exemplo, que não têm confronto, nem vítimas – o que as Forças Armadas chamam de danos colaterais. Temos um investimento muito pouco executado nas áreas de educação, saúde e desenvolvimento urbano, essas ações precisam ser integradas. Elas não têm um caminho, uma cartilha, uma forma mágica. Existem dados mostrando que a falta de políticas públicas da área social levam às situações de mazelas que contribuem para os confrontos e crescimento desses grupos. É importante contar com as demandas, a fala e as expectativas da população, que não pode ficar de fora das políticas e da participação das situações cotidianas para resolução dos problemas. Existem muitas lideranças comunitárias nesses lugares que fazem movimentos importantes e têm muito a dizer sobre a questão da violência. Acho que esse é um bom caminho, mas não o único, há várias possibilidades. Com certeza, só a polícia já sabemos que não resolve.