Entrevistas

Tecnologia e sociedade distópica

Tecnologia e sociedade distópica

Adriana_Braga (Foto:Gabriela Doria)

No dia 15 de fevereiro, termina o prazo para a submissão de trabalhos para a 22ª edição da Convenção Anual da Associação de Ecologia das Mídias (Media Ecology Association – MEA). Organizado pela vice-presidente do MEA, professora Adriana Braga, do Departamento de Comunicação, e pelo diretor do Departamento de Filosofia, professor Edgar Lyra, o encontro será em formato virtual de 8 a 11 de julho. O tema Futuros Distópicos: Ecologia das Mídias na sociedade do algoritmo será debatido por pesquisadores e profissionais internacionais, com destaque para a ativista e documentarista Naomi Klein, o teórico das mídias Douglas Rushkoff, o pesquisador sênior de oralidade e letramento David Olson e o teórico da comunicação e professor Emérito da UFRJ Muniz Sodré. As inscrições para alunos, professores e funcionários da PUC-Rio são gratuitas.

O que significa o termo ecologia das mídias?

Adriana Braga: Em ecologia das mídias, o termo mídias pode ser entendido como sinônimo de tecnologias e como o objeto técnico que media a interação do ser humano com o ambiente físico da natureza. Neste sentido, qualquer tecnologia, ferramenta ou instrumento é, também, uma mídia. A palavra ecologia é usada para se diferenciar dos estudos de mídia e dos estudos e pesquisas dos meios de comunicação de massa. A ecologia das mídias opta por observar a tecnologia como objeto técnico e a sua ação na cultura enquanto objeto a serviço de algo. Ao invés de focar nos conteúdos, como na maioria dos estudos, ela considera que as tecnologias condicionam a emergência destes conteúdos, entendendo que as ações tecnológicas transformam as nossas percepções de mundo, os nossos pontos de atenção e de negligência. Elas também têm uma ação; não são exatamente neutras como, muitas vezes, nós acreditamos.

O estudo da ecologia das mídias envolve quais áreas de conhecimento?

Adriana Braga: A ecologia das mídias tem uma vocação de ser multidisciplinar, porque ela pensa na ação da tecnologia no mundo. Ela entende que, quando uma tecnologia é introduzida em uma cultura, esta não tem uma atuação tópica, e sim global, mudando modos de pensar, de comunicar, de fazer cidadania, de fazer eleições. Ela altera o ambiente ecologicamente. A ecologia pensa em termos de semiótica, de antropologia, termos comunicacionais, afetivos, psicológicos e políticos. Por isso, todas estas áreas serão, também, objetos de atenção para os ecologistas das mídias. Geralmente, o congresso tem a participação de diversas áreas do conhecimento para pensar as consequências e ações da introdução das tecnologias nas sociedades e nas culturas humanas.

Qual é o objetivo do congresso?

Adriana Braga: É um congresso anual, de uma associação caudatária das reflexões do pensador canadense Marshall McLuhan. Esta associação surgiu de pessoas ligadas a McLuhan – seus orientandos e colaboradores – que, a partir das teorizações propostas por ele, desenvolvem objetos técnicos presentes, agora, no nosso dia a dia. A associação faz o congresso para apresentar os seus trabalhos, as suas pesquisas, e tem um caráter multidisciplinar, ou seja, não são só teóricos da comunicação, mas também pessoas do direito, da filosofia, da educação, do design, da psicologia, entre outros, que participam a partir da abordagem ecológica.

O formato on-line foi um facilitador para o congresso ser realizado, pela primeira vez, na América do Sul?

Adriana Braga: O congresso é internacional, e ocorre há 22 anos, principalmente entre Estados Unidos e Canadá. Pela primeira vez, ele vai ser sediado por uma universidade da América do Sul. Como organizadora da edição de 2021, estou introduzindo a presença de palestrantes magistrais, que darão conferências plenárias brasileiras como, por exemplo, o professor Muniz Sodré, primeiro brasileiro a participar deste congresso como palestrante principal. O formato on-line tem todos os problemas restritivos e negativos de um congresso não presencial – ideia da troca afetiva, de conhecer as pessoas fica um pouco prejudicada. Por outro lado, na edição passada e nesta nós temos a participação de cinco continentes: África, Oceania, Europa, América do Norte e Ásia. Esta internacionalização já tem acontecido no congresso pelos últimos 20 anos, mas foi impulsionada nesta edição. Além disso, temos um custo menor no formato on-line, porque toda a logística de um congresso presencial é dispensada. Decidimos, então, fazer um preço bem baixo para possibilitar uma participação mais ampla.

Como surgiu a ideia do tema Futuros Distópicos: Ecologia das Mídias na sociedade do algoritmo?

Adriana Braga: Em primeiro lugar, foi por um desconforto muito grande com a situação mundial atual. Aquela distopia que nós imaginávamos no futuro parece estar no presente, então surgiu de uma urgência de convidar pessoas a falar sobre o assunto, para pensar sobre este momento sem precedentes pelo qual o mundo está passando. Eu já tenho pensado sobre isto, tenho produzido alguns papers e publiquei um livro sobre Inteligência Artificial e singularidade tecnológica. Este tópico já estava no meu campo de reflexão e, em conversa com a minha colega da comunicação, a professora Vera Figueiredo, ela sugeriu o tema distopia. Isto ocorreu há dois anos, e foi muito curioso perceber como este tema começou a pipocar desde então. Eu achei uma grande premonição; nós adiantamos um assunto que veio em boa hora para ser discutido entre as diversas disciplinas.

Quais serão as consequências dessa sociedade distópica, dominada por tecnologias como a Inteligência Artificial e os algoritmos?

Adriana Braga: Nós já estamos vendo um pouco as consequências disto. Eu comecei a estudar internet em 1999, e é interessante perceber como ali, na academia, muitos colegas festejavam as possibilidades tecnológicas. Eu não era tão entusiasta assim. Sempre me interessei mais pelo tipo de apropriação feita desta tecnologia por pessoas, corporações e instituições do que a possibilidade do que a tecnologia era capaz de produzir. A ecologia das mídias também tem esta posição. Agora, nós já vemos um pouco do futuro no presente, em que todas as mídias de comunicação começam com a promessa de trazer democratização, educação e arte para todos. Acontece que, rapidamente, o mundo corporativo se apropria deste ambiente e desvirtua estas primeiras intenções com interesses comerciais. Somos testemunhas de um processo deste tipo, estamos vendo absurdos acontecerem na internet, e a lei do mercado é a que manda mais. Há, também, uma inércia por parte dos vários poderes mundiais em relação à regulamentação dessa mídia, que é muito importante e que não pode ser entendida como algo fútil. Hoje, nós fazemos operações de banco e declaramos Imposto de Renda pela internet, e vemos governos sendo feitos pelo Twitter, e campanhas eleitorais sendo feitas por redes sociais.

A sociedade terá uma configuração diferente no pós-pandemia?

Adriana Braga: Em termos de educação, o ensino remoto ganhou muita força neste período, por segurar a educação nas costas, em um momento em que ela poderia ter paralisado. Nós descobrimos diversas possibilidades de uso e reinvenção da educação, que deixarão um legado de repensá-la, os seus limites e a sua democratização. Acredito que o ensino remoto será, no mínimo, um complemento interessante para a educação presencial e que sairemos mais empoderados no sentido de compreender o funcionamento das mídias e manuseá-las melhor.